De Francisco Madail Herdeiro
Abril trouxe uma revolução a vários níveis. A revolução na saúde, na educação, na economia, no trabalho, na cultura, na imprensa, tantas revoluções que cada uma merece a sua própria crónica.
Mas hoje quero falar da revolução na educação, porque afinal, só um povo instruído tem a capacidade de olhar em volta, perceber que algo não está bem, e avançar com o processo de mudança.
E aqui está a pedra de toque do Estado Novo. Um povo sem educação, pobre e ignorante, é prisioneiro da sua própria condição, e só assim uma ditadura fascista, totalitária e autoritária se poderia manter.
Vamos a dados antes de partirmos para uma conclusão.
Em 1974
Apenas 3,78% da população entre os 25 e 34 anos tinha concluído o Ensino Superior (Fonte: Público, 24 de Março de 2022), 5% tinha concluído o Ensino Secundário, 18% concluiu o 3º Ciclo, 26% tinha o 2º Ciclo completo e 85% tinha apenas o Ensino Primário. (Fonte: Pordata FFMS, 29 de Fevereiro de 2024)
Já em 2024
Caminhamos para que 50% da população nacional tenha concluído o Ensino Superior, dado que em 2020, 41,91% da população possuía estudos superiores (Fonte: Público, 24 de Março de 2022). Já 88% da população tinha o completado o Ensino Secundário, 94% tinha o 3º Ciclo, 91% tinha o 2º Ciclo, e 100% tinha concluído o Ensino Primário (Fonte: Pordata FFMS, 29 de Fevereiro de 2024).
Assistimos de facto, ao longo dos últimos 50 anos, à universalização do acesso ao ensino, seja público ou privado.
Chegados a 2024, o quadro é de uma clara evolução e de progresso. Houve de facto uma conquista no acesso à educação, mas será tudo um mar de cravos?
Em 2023 ficámos a saber que 1 em cada 10 candidatos ao Ensino Superior desistiu do curso em que tinha sido colocado porque a Instituição que escolheu, e que tanto se esforçou para entrar, fica numa cidade onde os preços da habitação para estudantes não são comportáveis pelas suas famílias.
O novo obstáculo de acesso ao Ensino Superior deixou de ser a propina, tendo estadecrescido todos os anos, desde 2018, de um valor de 1063,56€, para um valor de 697€ no ano letivo 2023/2024.
O grande entrave de acesso ao Ensino Superior em 2024 passou a ser o acesso à habitação.
Hoje um quarto para estudantes pode custar até 620€/mês (Fonte: Diário de Notícias, 28 de Agosto de 2023), num país onde em média os agregados familiares vivem com apenas 916,67€/mês, segundo dados de 2023 (Fonte: ECO, 13 de Janeiro de 2023).
Se o 25 de Abril de 1974 trouxe uma revolução no acesso ao ensino e à habitação, bem como na sua qualidade, a democracia trouxe um retrocesso que está umbilicalmente ligado às desigualdades sociais e económicas do Portugal de 2024.
Olhando 50 anos para trás, o tempo que presenciamos faz lembrar um tempo onde o acesso à educação de qualidade, e ao ensino superior, pertencia apenas a uma pequena elite económica.
Resolver este problema, que partilha uma raiz comum com os problemas na habitação e na emancipação jovem, na saúde, na alimentação, tem de ser atacado nessa mesma raiz.
A raiz da desigualdade económica que tem assombrado pelo menos 3 gerações que já nasceram em liberdade.
A raiz destes vários problemas, a raiz da desigualdade económica, tem assombrado e condenado pelo menos 3 gerações que já nasceram em liberdade.
Digo-o por mim, que nasci em 1996, mas poderia falar pelos que nasceram em 1986, 2006, 2016 ou que ainda vão nascer em 2026. Sou filho de pais que nasceram nos anos 60, neto de avós que nasceram nos anos 40, e todos me conseguem ilustrar muito bem o que era viver no tempo do Estado Novo, sem verdadeiras oportunidades, e o que foi transitar para a democracia, onde os meus pais puderam fazer o que os meus avós nunca sonharam.
Completar o 12º ano, e se fosse a sua vontade ingressar no Ensino Superior no final dos anos 80.
Para que um jovem que nasceu numa condição social mais desfavorável não tenha de ver os seus sonhos e objetivos estilhaçados porque simplesmente perdeu a lotaria da vida, Portugal tem de olhar outra vez para as razões que levaram ao consumar da Revolução dos Cravos.
A criação de um Portugal mais justo, mais livre, onde os frutos do trabalho são distribuídos justamente, onde os serviços são de facto públicos, universais e tendencialmente gratuitos, onde uma pessoa não tem de passar uma vida a trabalhar para aquecer, para pagar contas e não ver nada sobrar ao fim do mês.
Se essa pessoa quiser um futuro diferente dos seus pares, então talvez, a única solução seja apanhar um avião sem bilhete de volta, em busca de um futuro que seja justo, que permita viver, e não só sobreviver.
50 anos depois, em 2024, ainda falta cumprir Abril.
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