Nos últimos dias tem sido recorrente ver um descontentamento geral sobre a subida (significativa) dos combustíveis em Portugal, com (até) o gasóleo a (mais de) 2€, muitas vezes culpabilizando a carga fiscal de 60% pelo facto do nosso país ter dos preços mais altos da Europa, especialmente face ao poder de compra.
de Rebeca Paiva
Apesar da carga fiscal ser superior à média europeia, e tal contribuir indubitavelmente para a frustração geral com a subida dos preços, hoje escolho focar-me menos nos impostos cobrados e pensar nas desigualdades que estes números produzem, nas consequências que temos e no futuro.
É importante notar que já em outubro não tinha sido o IVA ou o Imposto sobre os Produtos Petrolíferos (ISP) que aumentaram, mas o petróleo, face à famosa “lei” da oferta-procura. E, segundo economistas como Ricardo Paes Mamede, “se calhar esta situação não é assim tão passageira quanto isso”. Mais recentemente, e por motivos diferentes (a Rússia é o segundo maior país exportador de crude oil do mundo), novos aumentos semanais apertam e ouvem-se crescentes exigências de “intervenção estatal” (dependendo de opiniões ideológicas, defende-se ou uma diminuição brutal de impostos ou uma fixação de preços máximos para as gasolineiras, de forma a evitar mais aumentos).
É exatamente aqui que reside o problema: dependemos demasiado de combustíveis fósseis (e da importação dos mesmos, também).
Diretamente, isto leva-nos a gastar mais dinheiro para meter a mesma gasolina [exceto aquelas pessoas que dizem “A mim não me faz diferença, meto sempre 20€!”, pois claro!], gerando uma desigualdade em que uns terão muito mais dificuldades para tal e eventualmente terão até que prescindir de bens essenciais. Indiretamente, veremos um aumento nos preços de produtos alimentares, e não só, que vêm de vários lugares deste país e de outros. Como sempre, uns aguentam melhor que outros estes acréscimos.
Mais de 99% dos cientistas - e população com acesso a conhecimento e com bom senso - acredita que as alterações climáticas são, além de reais, causadas pelos humanos. Como sempre (e sou suspeita por dizer isto, estudei Sociologia), as questões sistémicas e estruturais não se resolvem com ações individuais, e não, não vos quero incentivar a usar o carro desnecessariamente, keep reading.
O ISP não é uma medida ambientalista a partir do momento em que muitas pessoas não têm escolha senão usar o carro. Posso falar-vos dos subúrbios de Lisboa, onde se demora 1h30 a chegar a casa de transportes públicos em vez de 20 minutos de carro, posso falar da falta de oferta aos fins de semana e horários noturnos ou simplesmente posso falar de zonas do interior do país, onde autocarros passam 1/2x por dia, e se for o dia certo.
O ISP não é uma medida ambientalista a partir do momento em que o metro de Lisboa ainda não está em expansão, as ciclovias são insuficientes na cidade e a quantidade de postos de bicicletas GIRA também. Não existem autocarros desde a estação de comboio mais próxima até perto de casa e a ferrovia teima em não ser uma realidade em todas as capitais de distrito deste país. E, aqui, estou a falar da capital do país, que no interior a falta de alternativas é mais evidente.
O ISP, ou qualquer outro imposto, não será verdadeiramente uma medida ambientalista porque quando fazemos do dinheiro um incentivo para não se usar carro, não oferecendo alternativas necessárias, estamos (quase) somente a prejudicar as classes mais baixas, em vez de criarmos uma verdadeira sensibilização e ação. As pessoas que trabalham por turnos e não têm transportes àquela hora, estudantes e/ou trabalhadoras/es que vivem longe da faculdade e do trabalho, mães e pais que não têm alternativa para ir buscar os miúdos à escola... será mesmo este o caminho certo para convencer estas pessoas a tirar o passe e deixar o carro à porta de casa no dia-a-dia?
Há, claro, um debate relevante que opõe estes desincentivos estatais à utilização de transporte individual ou privado e políticas públicas que apoiem pessoas singulares e coletivas face ao aumento dos preços, como o AUTO/IVAucher é - ou pretende ser, pois mantenho um certo ceticismo. Não havendo aqui uma solução win-win, escolho não responsabilizar indivíduos por problemáticas sistémicas (pelo menos da forma paternalista que costumo ver).
A crise climática é uma realidade cada vez mais visível, por falar nisso, sabiam que 60% de Portugal estava em seca no final de fevereiro?. Entretanto, começámos a sentir as suas consequências[1], que se agravarão, principalmente se não houver ação suficiente.
Só que a “ação individual mais ética e responsável” não só representa pouca ajuda como também é impossível se não tivermos escolhas e alternativas viáveis, qualquer que seja o nosso estilo de vida. Esta é uma luta que é nossa, mas cuja culpa não carregamos.
___________________ [1] As consequências são e serão sentidas de forma brutalmente diferente dependendo da zona do globo, classe social e muito mais, mas ficará para outro dia.
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