Pré-aviso: Caros leitores, o jornal Crónico lançará nos próximos dias um resumo objectivo e claro das medidas de cada partido para a área da Cultura, bem como relativamente a outras áreas fundamentais para o futuro do país. Esta crónica, portanto, será um olhar puramente subjectivo do seu autor relativamente a este tema.
de António Vaz Pato
Estamos em tempo de campanha eleitoral e os debates entres as várias forças partidárias encheram a comunicação social nos últimos dias. Mais uma vez, foi uma oportunidade desperdiçada para os líderes políticos se dirigirem aos portugueses sobre os temas que mais nos apoquentam. Em resumo, os debates não têm tido muita amplitude temática, dominados como estão pela agenda mediática.
Nos escassos 25 minutos disponíveis para cada um, os interlocutores perderam-se em querelas, questões ideológicas, passa-culpas e acusações. Custa-me ainda mais o facto de os dirigentes irem a debate sem o seu respectivo programa político divulgado - PSD, CDS, IL e PAN contam-se entre os exemplos - e acessível ao público em geral, o que dificulta ainda mais o esclarecimento dos eleitores sobre as diferentes propostas que os partidos apresentam para resolver as lacunas estruturais e sistémicas no nosso país. A verdade é que foram poucas as tentativas - fosse da parte dos moderadores, fosse dos participantes - de abordar seriamente os desafios que inquietam a nossa geração.
Creio que a cultura foi um dos temas mais prejudicados nos debates, não fosse esta uma crónica do departamento de cultura do Crónico. A sua menção foi residual, o que se traduz na preocupação vestigial que os partidos manifestam a seu respeito. Esperava-se que, depois de quase dois de pandemia em que as dificuldades do sector cultural e as suas feridas se expuseram de forma tão evidente, tivesse surgido em certos momentos no debate esse diálogo importante.
Felizmente, já estamos na posse de maior parte dos programas eleitorais e, portanto, já podemos fazer uma análise extra-debates sobre as principais promessas e propostas dos vários partidos com assento parlamentar neste âmbito. Vou fazer um pequeno resumo do que encontrei nestas minhas leituras.
CHEGA
Não só consegue a proeza de fazer zero propostas explícitas neste aspecto, como ainda menciona cultura e as suas palavras derivadas apenas para alertar para a “questão” da substituição cultural e demográfica em curso no nosso país, consequência da chegada de imigrantes. Sobre isto não me detenho mais. É “bola”.
CDS-PP
O Partido Popular de Francisco Rodrigues dos Santos foi muito frugal no número de propostas e no desenvolvimento das mesmas. Em primeiro plano surge a importância da preservação do património cultural e a necessidade de haver investigação histórica livre e isenta nas academias. A isto junta-se a revogação do Acordo Ortográfico de 1990. Tudo medidas pertinentes, como o leitor vê, para responder às questões existenciais que a cultura enfrenta actualmente. No fim, quase como nota de rodapé, aparece o compromisso para aumentar para 1% a dotação do Orçamento do Estado para a Cultura.
INICIATIVA LIBERAL
As referências às medidas na área da cultura começam na página 427 do programa eleitoral da IL. Exaustivo na explicação, peca pela falta de pragmatismo na exposição das ideias. Prometem descentralizar e conceder mais autonomia à gestão das grandes instituições culturais, bem como promover o mecenato cultural e as parcerias público-privadas. A IL reduz a existência cultural à sua dimensão económica e de mercado, onde as soluções para melhorar o acesso universal à cultura parecem não existir. Ainda por mais, defende a revogação da Lei do Preço Fixo no mercado livreiro, sem ter em consideração que os prejuízos podem ser maiores que os benefícios para as pequenas livrarias independentes.
PSD
Rui Rio e o seu partido encaram a cultura como ferramenta de soft power para projectar Portugal no mundo, relevando a necessidade de criar uma Escola Portuguesa do Design para mostrar a outros países o talento e as qualidades dos artistas portugueses. Sugerem mais recursos para preservar património cultural, mas os profissionais da cultura parecem ficar um pouco esquecidos aqui. Seguem uma tendência semelhante à IL nas políticas culturais, mas chamam a atenção para a necessidade de criar uma Lei de Bases para a Cultura. No meio disto tudo, a democratização do acesso à cultura é apenas um apontamento abstracto.
PS
O programa do Partido Socialista tenta tocar as teclas todas para que nada falta a um partido que quer formar governo. Apesar de uma prestação geral muito fraca da actual ministra, o PS reforça os objectivos de descentralizar a cultura, promover a leitura e o livro (facilitar o acesso não é sinónimo de promover), aumentar o apoio à criação artística e a dotação orçamental para 2,5%, reconhecendo a urgência de implementar um Estatuto de Profissionais da Área da Cultura (mas com discussão entre as forças políticas). Será mais um capítulo de falsas promessas?
PAN
O PAN revela um programa focado na questão da formação do espectador e na consagração da cultura como área transversal na sociedade, servindo como ferramenta de aproximação. É um programa pouco pragmático e objectivo para quem quer soluções concretas, mas destaca aspectos relevantes para se discutir mais tarde.
LIVRE
O Livre apresenta um programa objectivo e acessível que releva primeiro a importância de criar legislação que proteja a produção artística e os profissionais da cultura da precariedade. Para além disso, dedica bastantes propostas ao mercado livreiro, o que poderia gerar boas discussões com a IL. Fica a faltar o tópico da descentralização e da cultura no interior, o que só revela que o Livre está praticamente concentrado no eleitorado urbano.
BLOCO
O programa do Bloco de Esquerda expõe três dezenas de propostas para a Cultura, que acabam por ser bastante pragmáticas. Tal como o Livre, inteiramente focado no ambiente urbano. Ainda assim, fala de todos os tópicos levantados pelos anteriores partidos, incluindo o património. Como seria de esperar, muitas medidas pretendem aumentar a protecção laboral no sector, bem como combater os monopólios de distribuição no cinema e na literatura. Muita matéria para debater, no entanto, é uma pena não terem reconhecido que nos últimos anos tiveram responsabilidade acrescida para fazer passar propostas.
PCP
O PCP reutiliza o programa de 2019, esquecendo-se que, entretanto, houve uma pandemia, o que exigia uma nova ponderação política da sua parte. Repete algumas mensagens do Bloco no que toca a proteção laboral, sem concretizar, mas vinca a importância de apresentar o serviço público cultural que promova a gratuitidade nalguns espaços. No geral, foi muito incompleto para um partido tão próximo do meio cultural.
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