Em tempos recentes, a procura mundial por tecnologia cresceu de forma exponencial, motivada pelo aumento de rendimentos numa variedade de países e pelas necessidades geradas pela globalização e pela pandemia. Num mundo em que nos confrontamos diariamente com um sem-fim de inovações, gadgets e todo o tipo de produtos recém-chegados de Silicon Valley, quase que se torna desafiante parar a fim de refletir sobre os mecanismos e as origens da inovação.
de Diogo Nascimento da Silva
O que terá acontecido aos CDs, aos DVDs, aos telemóveis dobráveis e a tantos outros produtos que há poucos anos encontrávamos nos expositores dos centros comerciais? Que processo levou ao seu desaparecimento?
Voltando um pouco atrás, mais concretamente ao século XIX, o filósofo alemão Karl Marx escreveu que o sistema capitalista assenta na incessante procura pela rotura das suas próprias barreiras, através da permanente destruição das suas múltiplas criações e métodos produtivos.
Cerca de um século depois, o teórico austríaco Joseph Schumpeter introduziu e popularizou este mecanismo, segundo o qual o capital se torna gradualmente obsoleto por meio das inovações empreendidas com base nas tecnologias originais. Isto é, tanto os bens como os meios de produção são constantemente reciclados e as novidades tecnológicas, desde o dínamo aos microprocessadores, surgem “sobre os ombros de gigantes”.
Novas empresas emergem com o objetivo de concorrer com as que estão instaladas, criando e ao mesmo tempo destruindo postos de trabalho e atividades económicas. Assim, o processo conhecido como “destruição criadora” (ou criativa), desempenha um papel fundamental no funcionamento do sistema capitalista, assegurando a sua contínua reprodução e reinvenção ao longo do tempo.
Deste modo, o paradigma schumpeteriano rege-se por três ideias-chave: a inovação e invenção cumulativa enquanto força motriz do crescimento económico; a concorrência gerada pela competição com as empresas, as tecnologias instaladas e os entraves por estas colocados relativamente ao processo da destruição criadora, no sentido de preservar a sua posição de força no mercado e, por fim, a importância e a postura das instituições, quer no contexto da garantia dos direitos de propriedade das inovações tecnológicas, ou na criação de condições legais, económicas e fiscais favoráveis, que incitem à inovação e gerem os benefícios que dela se podem retirar.
O conceito, que à partida pode ser encarado como paradoxal, é simultaneamente fascinante e assustador. Por um lado, este mecanismo tem sido fundamental no plano do crescimento económico mundial a que temos assistido nos últimos séculos, bem como na melhoria do nível de vida e na criação de prosperidade para milhões de pessoas.
Os benefícios da destruição criadora são vastos e comprováveis. A permanente renovação a que assistimos possibilitou avanços científicos e tecnológicos outrora inimagináveis. Hoje, se precisarmos de armazenar muita informação, podemos servir-nos de uma Cloud, em vez de utilizar uma “Pen” ou uma velhinha disquete. Sem inovação cumulativa não seria possível estarem a ler este texto, por exemplo.
No entanto, são igualmente levantadas preocupações legítimas sobre este tópico por parte de cidadãos comuns, que vêm os seus empregos desaparecer e a necessidade súbita de se requalificarem, ou por pequenas e médias empresas, que muitas vezes enfrentam uma luta desigual frente a grandes conglomerados empresariais, onde muitas vezes se concentra o monopólio das energias criadoras da inovação. O próprio Schumpeter era bastante pessimista acerca desta sua contribuição para a ciência económica, argumentando que o sucesso do modelo capitalista resultaria no seu colapso eventual, por meio da acumulação de poder e riqueza em monopólios e na criação de uma burocracia asfixiante.
Face ao aumento das desigualdades económicas, a concentração de poder e riqueza num grupo restrito de gigantes empresas, as crescentes preocupações com a saúde e a deterioração ambiental, a capacidade de direcionar o poder da destruição criadora é imprescindível para responder adequadamente aos desafios do século XXI.
Apesar de tudo, surge a necessidade de equilibrar inovação e concorrência, vantagens globais para a sociedade e regulação, um difícil exercício nos dias que correm. Para tal, pedem-se consensos ao nível do triângulo constituído por estado, mercado e sociedade civil. Por enquanto, continuamos a assistir à mudança de guarda anual no shopping mais próximo.
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