Há 100 anos, a participação no mercado de trabalho entre as mulheres casadas era inferior a 2%, nos Estados Unidos. A maioria das pessoas achava que não era positivo que uma mulher trabalhasse, sobretudo se houvesse um marido que as pudesse sustentar. Hoje, esta ideia parece-nos absurda, e ainda bem. Hoje, queremos igualdade de direitos e de salários, e ainda bem. O que aconteceu que a economia possa explicar? Será que poderemos chegar à igualdade plena em algum momento?
de Nuno Can
O que aconteceu? O que aconteceu foi um daqueles episódios históricos que, tal como tantos outros, se marcam na linha do tempo dos manuais de História com um ponto e com datas e que ocupam algumas páginas e que saem nos testes das gerações futuras. Gerações futuras que se vão entediar com aquelas páginas até que acordarão para a importância delas, quando deixarem de ser chatas e descritivas do passado para se parecerem com os jornais do presente. O que aconteceu foi a Segunda Guerra Mundial. Naturalmente, aconteceram muitos outros fenómenos, mas isto é apenas uma crónica.
Durante o período da Segunda Guerra, enquanto os homens eram enviados para os campos de batalha na Europa, às mulheres cabia o dever de ficarem no seu país, a tentar fingir a normalidade que os tempos exigiam. E essa normalidade exigiu que começassem a trabalhar para manter o que se tinha em casa e para produzir o que o país precisava.
Até aqui, nada de novo. O que a História nos conta de diferente é que o efeito social desta entrada das mulheres no mercado de trabalho se alastrou para as gerações futuras. Aquilo que o artigo de 2011 das economistas Alessandra Fogli e Laura Veldkamp traz de verdadeiramente inspirador é o facto dos dados mostrarem que, as jovens mulheres tendiam a participar mais no mercado de trabalho, se as suas mães e as suas vizinhas trabalhassem.
O choque que a guerra provocou mudou a realidade, que por sua vez mudou as crenças. E as novas crenças nunca mais permitiram que a realidade voltasse atrás. A força do exemplo é real – e que nos sirva o 8 de março para o celebrar.
Hoje, parece-nos impossível pensar num mundo em que as mulheres não pudessem trabalhar. Hoje, choca-nos que as mulheres recebam menos do que os homens para desempenharem funções iguais e em condições iguais. Os economistas e, sobretudo as economistas, têm sido atraídas por esta irracionalidade económica. Em especial Claudia Goldin, economista da Universidade de Harvard, e talvez um dos maiores nomes dos estudos de género na Economia, publicou em 2014 um artigo para tentar perceber o porquê dessas diferenças.
Nesse artigo, Claudia Goldin explora as 2 partes da desigualdade salarial. A primeira é aquela que pode ser explicada. Uma parte da desigualdade salarial, especialmente entre as gerações mais velhas, é explicada por menores qualificações nas áreas tipicamente melhor remuneradas, mas essa questão tem diminuído porque as mulheres têm convergido na qualidade e na quantidade de qualificações. A segunda parte dessa desigualdade, aquela que nos indigna, está, normalmente, relacionada com fatores de discriminação. O que Claudia Goldin traz são novas explicações, sem descartar o fator discriminação.
Um dos fatores que Goldin assinala é que as desigualdades não são constantes ao longo da carreira e entre diferentes áreas, elas aumentam em alguns períodos da vida das mulheres e aumentam especialmente em algumas profissões. O argumento é o de que a desigualdade salarial afeta sobretudo as mulheres em profissões liberais como a advocacia, por exemplo, especialmente nos períodos de gravidez e nos primeiros anos de maternidade. Não necessariamente porque sejam sempre despedidas ou vejam os seus salários reduzidos, mas porque estes empregos pagam melhor a cada hora que passe. Os economistas chamam-lhes retornos marginais crescentes, mas os economistas são chatos.
Ou seja, se uma operária fabril engravidar, usufruir da licença de maternidade e quando voltar continuar a trabalhar as 8 horas diárias e nenhuma injustiça acontecer, o seu salário manter-se-á e nenhuma grande desigualdade aparecerá a meio da sua carreira face aos seus colegas homens. Mas se uma advogada tiver de largar os seus casos mais importantes porque eles exigem longas madrugadas e a gravidez e o pós-parto não permitem, isso pode significar que essa advogada deixará para trás uma série de outros casos importantes e não receberá o pagamento correspondente.
É nestes casos que a desigualdade de género aumenta. Se considerarmos que a discriminação tem diminuído e se formos otimistas e esperarmos que ela tenda para zero, ainda assim, vamos confrontar as mulheres com a decisão de serem mães ou não e suportarem sozinhas esse custo. As diferenças biológicas tornam-se muito relevantes numa sociedade em que não se pode parar de produzir.
Quais são então as soluções que temos? As licenças de maternidade e de paternidade divididas ajudam, os incentivos monetários também e o papel dos parceiros em casa também, mas o mais importante é que as empresas e o Estado criem opções flexíveis de regresso ao mercado de trabalho para as mulheres e, talvez mais importante do que isso, "parar de remunerar desproporcionalmente os indivíduos que fazem longas jornadas de trabalho", nas palavras de Claudia Goldin.
Há muito por fazer e hoje é dia de o lembrar. Também é dia de ver os progressos que foram feitos e pensar o que podemos fazer para lá de combater preconceitos e estigmas, que devem ser combatidos. Se não formos mais criativos e engenhosos, mesmo depois dos preconceitos, as mulheres continuarão confrontadas com decisões difíceis se quiserem fugir à desigualdade. E essa luta é de todas e de todos.
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