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A escolha da esquerda em França

Hoje decorre a primeira volta das eleições presidenciais francesas, onde se decidem quais os dois candidatos que disputarão a corrida final ao Eliseu.

de Luís Nuno Barbosa e Silva

Leitor do Crónico




Como dizia por estes dias a uns colegas, tenho um sentimento ligeiramente parecido ao que tinha em 2016 antes das eleições norte-americanas que acabariam por colocar Donald Trump na Casa Branca. Tal como nesse ano, a ida às urnas em França terá em mim (como em todos os europeus e, portanto, em todos os portugueses) um impacto inegável. Tal como nesse ano, há uma forte (e cada vez mais próxima) possibilidade de ver um(a) candidato(a) que representa um retrocesso civilizacional ficar à frente dos destinos de um dos mais influentes países do mundo. Tal como nesse ano, não posso votar e, portanto, reina em mim um sentimento de impotência.



Face a este cenário, em que parece cada vez mais óbvio que a eleição de Marine Le Pen não é uma miragem ou uma imaginação orwelliana, havia muitas análises possíveis e muitas reflexões a fazer, sobretudo sobre como os dois partidos tradicionais desaparecem no espaço de 10 anos (há 10 anos, François Hollande era eleito Presidente da República, enquanto Anne Hidalgo, do mesmo Partido Socialista francês, aparece agora com menos de 2% nas sondagens). Há também uma grande reflexão a fazer entre a direita “moderada” que deixou que o debate daquele lado do espectro fosse capturado pelos temas polarizadores que fazem com que, quer Le Pen, quer Zemmour apareçam à frente do “centro”-direita de Pécresse.



A mim, interessa-me sobretudo perceber o que é que a esquerda ainda vai a tempo de fazer, além do evidente debate que terá de começar depois das eleições, de reconstrução do espaço do centro socialista e ecologista e de união de futuro, em torno de uma figura ou de um movimento agregador. No imediato, é, no entanto, bastante óbvio o que a esquerda poderia fazer e deveria ter feito nos últimos dias.


Há apenas um candidato de esquerda em condições de passar à segunda volta e, portanto, apenas um candidato em condições de impedir a presença da extrema-direita na decisão final e consequentemente de salvar a França como a conhecemos e, possivelmente, a Europa como a conhecemos: Jean-Luc Mélenchon. Ontem, último dia de campanha, Christiane Taubira (antiga Ministra da Justiça de Hollande e candidata presidencial que não conseguiu as necessárias assinaturas para a candidatura) apresentou o seu apoio a Mélenchon, assim como várias figuras ligadas ao Partido Socialista, ao Partido EELV, ao Partido Comunista e a vários movimentos de esquerda. É claro por esta altura que um voto de esquerda em Hidalgo do PS, no ecologista Jadot ou no comunista Roussel é um voto a menos na única esquerda capaz de deixar de fora Le Pen.



Mélenchon também não é a minha esquerda. Não é uma esquerda virada para a Europa, para uma transição ecológica pensada a uma escala supranacional ou para uma união que impeça a cada vez maior polarização da sociedade e da política francesa. Mas estou certo de que a França que eu imaginaria, assim como a França de muitos eleitores da esquerda europeísta e ecologista, fica muito mais próxima se na segunda-feira acordarmos com uma segunda volta entre Macron e Mélenchon do que se for Le Pen a disputar a eleição final.



O que se joga é a eliminação das forças de ódio e desagregação da possibilidade de acederem ao poder no país dos Direitos do Homem. Mas o que se joga é também o debate político que vai marcar os próximos anos. O que se vai opor ao liberalismo e laissez-faire de Macron? A esquerda pode hoje decidir que a discussão se fará pela justiça social, pela questão ambiental, pelo multiculturalismo e pelos direitos dos trabalhadores e dos mais desfavorecidos e deixar de lado o securitarismo, o racismo e a xenofobia que têm marcado o discurso dos últimos anos. É, no final, uma questão de responsabilidade e de sentido de Estado, acima de uma questão de sectarismo.

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