Os políticos são todos ladrões. E corruptos. E só querem ir para a Assembleia da República gastar o dinheiro dos contribuintes. Aliás, o que é que esses políticos já fizeram por mim?
Crónica de João Moreira da Silva
Estudante de Direito, FDUL
A Doença
Portugal sofre de uma doença crónica – a falta de formação política, que tanto afeta o cidadão comum como os próprios políticos. A ausência desta formação tem duas consequências: uma população politicamente desinformada e uma classe política que se aproveita desta desinformação, perpetuando casos de corrupção, trocas de interesses ou discursos populistas, que retiram o foco dos debates essenciais ao futuro do país.
A formação política é essencial em qualquer país que ambicione ter uma democracia saudável. Quando ela não existe, a democracia fica doente. Torna-se necessário identificar os seus sintomas e passar a respetiva prescrição médica.
Os sintomas
Um bom político não é apenas alguém que sabe falar em público e angariar votos. Deve ser exigido a um governante a inteligência para criar soluções para os problemas, o pragmatismo para concretizar essas soluções de forma eficiente e a capacidade comunicativa para as apresentar aos cidadãos. Estas três qualidades são inatas a poucos, mas trabalham-se através da formação política.
Em Portugal, o sintoma desta doença manifesta-se na (falta de) educação – o nosso país não tem cursos que formam políticos. A maioria da nossa classe política é formada em Direito ou Economia, enquanto cursos como Administração Pública, que garantiriam a ‘formação política’, apresentam pouca relevância no panorama político nacional. Esta falta de educação reflete-se em dois grandes aspetos: políticos que não sabem ser políticos e cidadãos frustrados com a classe política.
Uma classe política que não sabe agir como tal é um caso problemático, porque o espaço público é invadido por discussões inúteis para o futuro do país. No caso da TAP, assistimos a um grande debate ideológico de nacionalizar vs.privatizar, sem nunca se perceber muito bem o impacto económica da operação ou o plano de nacionalização da empresa. Em paralelo, tivemos direito à anunciação da fase final da Champion League em plena pandemia, ou a proposta do fim dos debates quinzenais feita pelo líder da oposição. Todas estas atitudes revelam uma enorme falta de tato político dos governantes.
Quando o debate deixa de ser sério e o teatro político se sobrepõe à execução de políticas públicas, assistimos a um processo de descrença na classe política. Certos debates ideológicos e um determinado nível de ‘teatro’ podem ser importantes para o jogo político, mas têm de ser acompanhados de respostas aos problemas.
Esta descrença nos políticos tem como grande consequência o refúgio no discurso populista. Quanto menos soluções vejo, mais facilmente vou votar no candidato que me diz que vai “mudar isto tudo”, e que “os outros políticos são todos uns corruptos e não fazem nada”. O populista só tem a ganhar com a falta de formação política dos governantes e dos cidadãos do país.
Infelizmente, este vírus também se alastra às gerações mais novas. As juventudes partidárias podiam ser o mais próximo que existe de uma formação política dos jovens de Portugal. No entanto, tal não acontece porque as ‘jotas’ estão intrinsecamente ligadas ao respetivo partido – as gerações mais novas não se conseguem formar politicamente, livres dos vícios dos mais velhos, porque se limitam a imitá-los. Assistimos aos mesmos tipos de corrupção, de trocas de interesses e de jogos de bastidores – apenas mudam as pessoas e as suas idades.
A prescrição
A prescrição para a doença da fraca formação política em Portugal passa por uma forte dose de educação, em diferentes níveis. O cidadão comum deve ter esta formação na escola básica e o futuro político deve especializar-se nela, no ensino superior.
Neste sentido, o primeiro passo da educação passa pelo ensino primário e secundário. É essencial liberalizar o ensino das diferentes teorias políticas e sistemas políticos nas escolas portuguesas. Todas as crianças devem saber refletir sobre questões como “o que é a política?” ou “o que fazem os políticos?”.
Se esta formação inicial se concretizar, teremos um grupo de cidadãos altamente politizados, o que traz duas grandes vantagens a qualquer sistema político: os populistas não conseguem crescer e a população vai ser muito mais exigente com seus governantes. Por outro lado, um currículo de formação política baseado no ensino da política como um verdadeiro ato de voluntariado vai criar um incentivo a seguir a carreira política por motivos altruístas e não por motivações puramente pessoais.
Concretizada esta educação primária e secundária, é necessário implementar e investir numa formação especializada para aqueles que pretendem seguir a carreira política. Os cursos que existem atualmente não respondem às necessidades da formação política. Deve ser criada uma instituição à imagem da École Nationale d’Administration francesa, onde são formados a maioria dos altos quadros políticos franceses, como Macron ou Jean Castex, que promove um currículo focado na preparação de quadros para o exercício de cargos públicos. Os aspirantes a políticos aprenderiam noções gerais de direito, economia e relações internacionais, mas o grande foco do curso seria ensinar a gerir um país ou uma câmara municipal. No entanto, deve ser contrariado o elitismo que a escola de Estrasburgo veio a ganhar com o passar dos anos e garantir o acesso universal à formação política.
A concretização destes dois níveis de educação para a política garante um forte escrutínio dos políticos perante os eleitores e uma classe política de alto nível. Os discursos demagogos e as jogadas de distração deixam de passar impunes e a carreira política deixa de ser encarada de forma negativa pelo cidadão comum. Os políticos preocupam-se com a política, enquanto os juristas, economistas e engenheiros encarregam-se dos aspetos mais técnicos – sem prejuízo de alguém poder tirar um destes cursos e depois especializar-se em administração pública.
A implementação destas reformas pode implicar uma atuação política mais técnica e regrada, mas não acredito que acabe com a sua ‘magia’. Recentemente, assistimos a um exemplo vivo que o comprova: a meio de um impasse nas negociações do Conselho Europeu, Macron pediu à sua comitiva para preparar os aviões de forma a ameaçar a sua saída, protagonizando um gesto teatral de bluff. No final das negociações, saiu de Bruxelas vitorioso, com um acordo histórico. A formação política não torna os políticos em máquinas automáticas, nem elimina o teatro – apenas os ensina a serem atores responsáveis, que acompanham o teatro com verdadeiras soluções para os problemas.
Como todas as reformas, esta mudança nunca poderá acontecer do dia para a noite. Neste momento, não podemos exigir a todos os políticos que se retirem dos seus cargos para se especializarem em administração pública. O objetivo passa por poder exigi-lo aos políticos do futuro – mas primeiro, temos de investir nas escolas de formação política.
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