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A incrível caminhada até ao Delírio

Atualizado: 20 de jul. de 2020


O texto de Hélia Correia e a encenação de Miguel Jesus imaginam a vida de quem a conhece caminhando. Qual o significado das palavras Pátria, Europa, Mar para quem caminha de ou em direção a elas?



Crónica de Isis Calado

Estudante de Medicina, University College London



Lá ao longe, no cimo da Serra, começam a distinguir-se vultos escuros que se movem bruscamente no meio da erva seca. Um corpo arqueia-se velozmente para apanhar, com um pau, uma outra coisa que se move no chão. No rebordo que recorta a serra há uma aura dourada que se esvazia tenuemente com o pôr-do-sol. O espetáculo eleva o pulso à altura dos olhos e consulta o relógio para começar exatamente neste momento, para que o enredo possa deslizar agilmente pela serra abaixo em sintonia com o cair da noite. Atrás de nós, alta e atenda, está Palmela, que goza ainda dos últimos raios de sol. Não consegue ouvir, mas nós, munidos de auscultadores, conseguimos. Sentimos um som a vaguear a garganta de alguém que respira laboriosamente. Entre os vários ruídos, prevalece um sufoco seguido de um suspiro de alívio que se precipita de novo num respirar crespo e ansioso. Inclino o pescoço para a frente: estão a caçar cobras.


O texto de Hélia Correia e a encenação de Miguel Jesus imaginam a vida de quem a conhece caminhando. Qual o significado das palavras Pátria, Europa, Mar para quem caminha de ou em direção a elas? Será que haverá, à chegada, um significado? E a chegada, onde é? A Abundância? Aquela Europa? Ou o Delírio?


Deixando os sepultados pelo caminho, dois caminhantes dançam na noite que entretanto se instalou. Já não têm frio, nem fome, nem medo. Iluminados por uma luz esguia, riem e correm, de volta ao cimo da serra. Inclino o pescoço para a frente, mas já quase não os consigo ver. A luz apagou-se.


Fotografia de Rita Saldanha

 

Comentário sobre a peça “Antes do Mar” criada pelo Teatro O Bando com encenação de Miguel Jesus a partir do texto de Hélia Correia. O espetáculo estará em cena até dia 26 de Julho, ao ar livre no Vale do Barris.


Informações e bilhetes na página online do Teatro O Bando

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