De Francisco Lemos Araújo
"No início deste mês Portugal foi a eleições. O desfecho final foi o esperado, uma vez que os eleitores tinham muito pouca (para não dizer nenhuma) escolha.
Apesar de no boletim aparecerem 3 partidos, a vitória do partido do governo – o Partido Nacional (PN) – com maioria absoluta surpreendeu apenas quem não conhece o sistema que vigora há quase um século.
O Partido Português, conhecido pela sua proximidade ao PN, terminou a campanha assumindo que voto no partido do governo seria também bem empregue. Já a União Democrática, liderada por Fernando Andrade Silva, viu várias das suas ações de campanha serem supervisionadas e até interrompidas pelos Serviços de Defesa, que também questionou as suas mais proeminentes figuras em diversas ocasiões. A duas semanas do ato eleitoral as ações de campanha da UD foram sendo totalmente restringidas de forma arbitrária, remetendo o partido a um silêncio forçado, incapacitando-o de fazer campanha.
Assim, o PN assume novamente a liderança do governo, desta vez liderado por Alexandre Gomes que substituiu Diogo Almeida após o seu falecimento no ano passado. O programa do partido, em linha com o anterior executivo, aprofunda restrições ao direito de participação das mulheres e dos cidadãos com menor grau de escolaridade, ao direito de manifestação pública e ainda à atuação da imprensa já altamente condicionada.
Não obstante a realidade, na primeira intervenção enquanto Presidente do Conselho, Alexandre Gomes enalteceu um Portugal democrático que foi chamado às urnas e escolheu o seu caminho uma vez mais. Mas será o nosso país verdadeiramente democrático quando impede os opositores do governo de fazer campanha e apenas oferece ao seu povo uma única estrada?”
Este é um excerto de um artigo de opinião submetido para publicação, mas que nunca chegou ao papel.
Tudo o que nele está escrito não tem qualquer adesão à realidade, atual ou passada. É apenas uma opinião sobre o resultado de umas eleições que aconteceriam num país que não teve 25 de abril de 1974 e sobre o estado do mesmo.
De hoje a oito dias celebramos 50 anos do dia que me permitiu estar hoje aqui a escrever este excerto que é fictício, mas que se fosse real poderia circular na mesma.
Há 50 anos materializou-se o processo de libertação que nos permitiu hoje criticar e opinar sobre o estado político, económico e social do país, ainda que estejamos totalmente errados sobre o que escrevemos ou que uma certa parte da sociedade não goste do que lê.
Temos, desde então, a possibilidade de manifestar a nossa opinião, por mais controversa ou até ofensiva que ela possa ser, sem vermos as palavras riscadas de azul ou termos visitas inesperadas.
Conquistámos essa liberdade sem a qual ninguém se pode considerar cidadão em toda a sua plenitude
No próximo dia 25 celebramos 50 anos do dia que permitiu ao Crónico existir como existe: livre e a dar voz a quem se queira fazer ouvir.
Em 1974 deu-se corpo a um país diferente com que os portugueses sonharam, assente na liberdade. Era essa a ambição e necessidade coletiva: a liberdade.
Era o pressuposto para tudo o resto, só garantindo-a é que passaria a ser possível depois divergir no caminho a seguir, fosse mais para a esquerda ou mais para a direita.
A liberdade chegou e o espaço de debate empurrou o país para a frente. Portugal e a vida dos portugueses mudou profundamente. Uns dirão que devagar demais, outros que se fez tudo o que se podia, mas ninguém nega o progresso alcançado.
Estou eternamente agradecido por viver num país livre e celebrarei esse facto até ao fim da minha vida. Mas temos de ser mais exigentes connosco. Se a liberdade e a democracia nos trouxeram até aqui, hoje é preciso sonhar com um país para o futuro.
Vivemos uma política que está constantemente a olhar para trás a defender legados pesados. É importante saber de onde viemos e o que fizemos, mas isso não nos pode impedir de construir um novo caminho.
Atrevo-me a citar Francisco Lucas Pires no debate do programa do VI Governo Constitucional em 1980:
“Na verdade, há os que aceitam heranças e há os que fazem heranças e herdeiros; nós queremos estar no segundo papel. Queremos deixar heranças e herdeiros, não queremos aceitar e administrar apenas as heranças dos outros.”.
Cada geração deve idealizar um país melhor e ter iniciativa para o implementar, deixando um legado. Mas não pode nunca ter a expectativa, muito menos exigir a quem venha a seguir que não siga o seu próprio caminho.
Hoje vejo um país profundamente polarizado, incapaz de encontrar uma ambição partilhada coletivamente por democratas.
Dia 25 olhemos para o cravo, na nossa liberdade, e sonhemos com um país capaz de dar muito mais a quem cá vive.
Para que quando partirmos tenhamos deixado uma herança nova e não apenas gerido a que já existia quando aqui chegámos.
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