Quero deixar claro que, se considerasse esta situação um mero desleixo, não estaria a dedicar o meu tempo (tenho mesmo de estudar Direito Fiscal) a escrever esta chamada de atenção.
Crónica de Teresa Brito e Faro
Estudante de Direito, FDUP
24 de junho de 2020.
Dia calmo preenchido por pouco mais do que livros de Direito Fiscal e uma “ressaca” (as bombas de gasolina estavam fechadas) de um S. João diferente. Pelo menos até por volta das 17:30h, hora em que o Instagram me dá a última (não desistam já, às vezes leio outras coisas): “Câmaras do Porto e de Gaia informam DGS que a noite de São João foi ontem”. Nem as tentativas de cálculo do IRS, que me atormentavam cinco minutos antes, levantaram tantas questões na minha cabeça.
Este esclarecimento surgiu na sequência de uma importantíssima publicação da Direção-Geral da Saúde no Facebook, na qual vinham previstas as recomendações para os festejos de S. João, acompanhadas por umas quadras originais para consolar os desgostosos portuenses. Releva acrescentar que esta publicação - que ambiciosamente visava salvar vidas - chegou aos portugueses na manhã de dia 24.
Arrisco-me a convidar-vos a imaginarem comigo alguém a ler as recomendações para a noite de S. João, esta manhã, enquanto se dirige ao jardim para apanhar vestígios de um balão que voou, mas que ficou cansado, ardeu e caiu. Quero deixar claro que, se considerasse esta situação um mero desleixo, não estaria a dedicar o meu tempo (tenho mesmo de estudar Direito Fiscal) a escrever esta chamada de atenção. E não o faria exatamente, porque também a nossa Diretora-Geral da Saúde e as pessoas na sua equipa, pelas quais passou esta publicação, estão cansadas e têm direito a umas quedas inofensivas, enquanto continuarem a fazer o seu trabalho com a dedicação e competência com que o têm feito até agora.
Contudo, e por muito que me entristeça, esta não foi uma publicação que veio atrasada porque algum estagiário se perdeu a contar os dias da semana (também não julgaria, muito menos em confinamento). Esta foi uma publicação que se atrasou, porque de Lisboa não se ouve o fogo de artifício, nem se vêem balões. Como é que era suposto saberem?
Portanto, já conhecemos as velhas razões que levaram a DGS a tentar viajar no tempo. São as mesmas que levaram a TVI a, destemidamente e com base em semanas de estudos, informar o país sobre o porquê das disparidades entre o número de casos no Norte e no resto de Portugal. E são as mesmas que levaram a que, durante tanto tempo, nada se fizesse relativamente ao crescimento abrupto de casos em Lisboa. Mas, então, qual é o fenómeno aqui que merece uma análise profunda? É que, mesmo com recomendações vindas do futuro, os portuenses comportaram-se e a festa “decorreu com elevado nível de civismo”, nas palavras das autarquias do Porto e de Gaia.
Que 2020 estava a desafiar a normalidade, já sabíamos. Mesmo anestesiados, resignados e com pouca capacidade e vontade de dialogar, é impossível não reconhecer o ineditismo do que temos testemunhado ao longo do ano. Agora, Portugal descobrir a vacina para o vírus em poucos meses? E essa vacina passar por questionar o conceito de tempo, enviando mensagens para o passado? Estaremos a viver dentro da mente criativa de Donald Trump, a quem não faltam ideias para curar o vírus?
Não há tempo a perder. Se estiveres a ler isto, não comas o morcego.
E agora em coro, vá: obrigada, Direção-Geral da Saúde. Ah, e bom Santo António!
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