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A reformulação da Liga dos Campeões

A notícia mais recente no plano do futebol europeu prende-se com a decisão da UEFA em alterar o formato da principal prova de clubes da organização. A partir de 2024, a prova que tão bem conhecemos vai deixar de ter a configuração dos últimos anos e passará para um formato de liga.

de Joaquim Couto



Esta é a segunda grande reforma da história da prova. Em 1992, a UEFA, então presidida por Lennart Johansson, decidiu alterar o formato competitivo e a verdade é que a história da prova mudou para sempre. Deixaram de ter entrada direta alguns campeões de países europeus e passaram a ter entrada direta mais algumas equipas das ligas mais cotadas. Isto permitiu aumentar exponencialmente o nível competitivo da prova, o que fez dela a maior prova de clubes de sempre. Aliado a isto, a UEFA viu as suas receitas aumentarem fruto de aumentos brutais nos direitos de transmissão televisiva e nas receitas de publicidade.


Por mais que queiramos ser justos, a verdade é que o segundo ou terceiro classificado de uma liga como a inglesa pode acrescentar muito mais ao espetáculo que é o futebol do que o campeão da Roménia ou da Bulgária. Foi precisamente esta visão que descrevi acima (de apurar mais equipas das ligas mais fortes em vez do campeão das mais fracas) que nos permite disfrutar de jogos absolutamente fantásticos que nos fazem ficar agarrados ao ecrã até ao último segundo.


Um duelo entre o vice-campeão inglês e o vice-campeão espanhol é muito mais atrativo em termos de jogo do que um confronto entre o campeão da Noruega e o campeão da Hungria.

A mobilidade entre clubes pode não ser muito grande, mas a verdade é que existe: o Manchester United, clube que já foi três vezes campeão europeu, não irá disputar a prova na próxima época e tem falhado o apuramento várias vezes nos últimos anos. Outro exemplo desta rotatividade é o caso do AC Milan, segundo maior vencedor da prova, que também tem vindo a falhar várias edições. Em sentido contrário, Manchester City e PSG apareceram (fruto do dinheiro de investidores, é certo) com mais frequência na prova.


Passados trinta anos, a UEFA pretende voltar a alterar o formato da prova: em primeiro lugar, a prova passará a ter 36 participantes ao invés dos atuais 32. Em vez dos oito grupos de quatro equipas a que já estamos habituados, passaremos a ter uma só liga com 36 equipas. Cada equipa fará 8 jogos contra 8 equipas diferentes, o que significa que, nesta primeira fase, acabará o sistema de jogos em casa e fora. Será um sistema parecido ao sistema suíço usado, por exemplo, no xadrez. Os 8 primeiros do grupo apuram-se diretamente para os oitavos e os 16 clubes seguintes irão lutar por um lugar nos oitavos, através de um play-off.


O primeiro aspeto a salientar é a grande diferença que este projeto traz em relação à superliga europeia, proposta há um ano: o sistema de apuramento continuará a fazer-se por via da performance desportiva nas ligas nacionais. Isto é particularmente importante porque transpõe para o mais alto nível aquilo que é essencial no futebol: a competitividade. Um sistema de “lugares cativos” iria matar a essência do futebol e torná-lo ia globalmente menos interessante.


Então, vejamos como irão ser atribuídas as novas vagas. Uma delas irá para o terceiro classificado do país que ocupar o quinto lugar no ranking da UEFA, enquanto uma outra vaga será atribuída a um campeão nacional. As outras duas serão reservadas para os dois países com melhor desempenho clubístico na anterior edição da Liga dos Campeões. Esse desempenho mede-se pelo número médio de pontos que as equipas desse mesmo país farão. Esta mudança poderá beneficiar as maiores ligas europeias, visto que normalmente estão entre as ligas com melhor desempenho. É muito provável que estas vagas se distribuam ou pelo quinto classificado da liga espanhola ou da liga inglesa. Por outro lado, há uma outra vertente a destacar: um clube que faça uma excelente prestação poderá ajudar diretamente um rival do seu país a qualificar-se na época seguinte. Imaginemos que Porto e Sporting alcançam os quartos de final numa época. É provável que na época seguinte uma destas duas vagas seja atribuída a Portugal. Ou seja, podemos ter, de forma inédita, três equipas com entrada direta na nova “fase de grupos”. Isto pode ser uma boa motivação para que os adeptos portugueses percebam que, acima das rivalidades, há uma imagem externa do futebol nacional a defender. É importante apoiar as equipas portuguesas quando jogam nas provas europeias.


Este último ponto tem uma alteração substancial em relação à proposta feita pela UEFA há cerca de um ano atrás. Em 2021, o organismo que gere o futebol europeu propunha que essas duas vagas fossem atribuídas aos clubes com melhor histórico de entre os clubes que ficassem em lugares de fases pré-eliminares nas suas ligas nacionais. Isto é, dentro do leque de clubes que iriam disputar as fases pré-eliminares, os dois com mais história nas provas da UEFA iriam apurar-se diretamente. Ora, isto contrariava aquilo que deve ser o espírito do futebol e do desporto em geral.


As equipas devem ser premiadas pelos seus resultados atuais e não pela sua história. Esse é um dos fatores que faz do futebol um desporto verdadeiramente meritocrático e tão especial.

Um outro ponto que me parece interessante notar é o seguinte: a UEFA foi obrigada a agir de modo a dar resposta aos grandes clubes (os mesmos que há cerca de um ano tentaram criar a anacrónica Super Liga Europeia). Estes clubes querem ter mais jogos competitivos entre si que lhes permitam, na verdade, obter mais receitas. Porém, mais jogos não significa melhor futebol. Com o novo formato, os clubes terão mais jogos na Liga dos Campeões, o que dificultará, por exemplo, a gestão do plantel para serem competitivos nas provas nacionais. De outra perspetiva, os grandes jogos são atrativos porque são relativamente escassos. Se começarem a ser banais poderão perder alguma atratividade. Como nos explica a teoria económica, quanto maior a oferta de um bem, menor será a sua utilidade marginal, ceteris paribus. Os grandes jogos são muito esperados porque ocorrem poucas vezes por ano. A partir do momento em que começarem a acontecer com mais frequência poderão começar a ser mais banais.


O play-off em que irão participar os clubes que fiquem entre a 9ª e a 24ª posição será um aspeto novo nestas provas. O adepto de futebol está habituado a ver o seu clube apurar-se logo após o fim da fase de grupos. A partir de 2024 deixará de ser assim.


Importa ainda falar do sorteio. A UEFA não esclareceu bem como irá decorrer, apenas referindo que será semelhante ao sistema suíço.


Numa prova com este formato, é fundamental a existência de um sorteio que garanta uma certa justiça na definição do calendário de jogos. É necessário garantir, por exemplo, que os melhores clubes também se defrontam entre si.

Um último ponto que gostaria de salientar é a reforma geral das provas. A Liga Europa e a Liga Conferência deverão igualmente passar por um processo de reestruturação semelhante. Isto trará mais equipas para as provas. Será mais fácil participar numa prova da UEFA. No entanto, queria realçar uma última questão importante. Teremos assim tantas equipas com capacidade de participar nas provas? A experiência portuguesa diz que algumas equipas que participam nas provas europeias (com exceção dos grandes) têm depois muitas dificuldades durante o campeonato.


Em conclusão, esta reforma parece-me mais justa do que a Super Liga e até mesmo do que a proposta da UEFA de 2021. Contudo, continua a levantar problemas, acima de tudo porque nem sempre existe uma vontade primordial de discutir o modelo competitivo e as suas implicações desportivas. Ao invés, existe uma preocupação desmedida em aumentar as receitas, esquecendo que as mesmas aumentam naturalmente se o modelo de negócio tiver potencial.

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