De Francisco Madail Herdeiro
Chegou mais uma eleição na Venezuela, e com ela chegou mais uma enxurrada de notícias, opiniões e comentário.
Vou ser sincero, eu nasci em 1996, e o Presidente Hugo Chavez começou a governar a Venezuela em 1999, até à sua morte em 2013. O problema da “revolução bolivariana” de Chavez, herdada por Maduro, é quase tão velha como eu.
Tudo isto para dizer que depois de tantos anos a ver e a ouvir falar sobre a Venezuela, não consigo distinguir a verdade da mentira. Da mesma forma que não consigo confiar em notícias sobre a Coreia do Norte emitidas pela CNN, também não consigo confiar no órgão de comunicação oficial de Pyongyang (KCNA). A mesma lógica pode ser aplicada à Venezuela.
Durante o Socratismo, quando vendemos 2,4 milhões de computadores “Magalhães” para a Venezuela (lá chamam-lhes “Canaima”), tudo parecia ótimo. De cada vez que a Mota Engil construía milhares de casas na Venezuela, era tudo fantástico. Mas o regime foi sempreo mesmo, foi sempre uma ditadura cuja figura central começou por ser Hugo Chavez, e hoje é Nicolás Maduro.
Sempre houve fome, pobreza, miséria, ausência de liberdades civis, perseguição a opositores políticos. Mas só agora é que se tornou importante mudar?
Chegados a 2024 já assistimos a demasiadas voltas e reviravoltas, a embustes políticos e mediáticos apoiados pelos “nossos” órgãos de comunicação, e o problema reside aqui. É difícil encontrar uma verdadeira independência na produção e transmissão de informação.
Não sei verdadeiramente o que aconteceu nestas eleições venezuelanas. Da mesma forma que não sei se o Guaidó era verdadeiramente o (auto-proclamado) PresidenteInterino da Venezuela, que foi oficialmente reconhecido pelos Estados Unidos da América, União Europeia e pelo “Grupo de Lima”. Não sei nada, e desconfio seriamente de quem diga que sabe o que realmente se passa.
É este sentimento, que acredito ser partilhado por mais pessoas, que mata a confiança na democracia e nas suas instituições.
Está claro para todos que vivemos na era da guerra da informação. Nunca foi tão fácil enganar alguém, fosse com fake news, com Inteligência Artificial ou com bots. Está à vista de todos o resultado da Guerra dos Tronos do século XXI, onde os dragões desta série são os meios de comunicação e as redes sociais, desejosos de “comer” mais um like, mais uma visualização, mais um clique, mais uma publicidade ou uma subscrição.
Graças as todas estas ferramentas tivemos o 6 de Janeiro de Trump, a versão importada do 6 de Janeiro de Jair Bolsonaro, e finalmente tivemos uma tentativa de 6 de Janeiro pelo partido da extrema-direita parlamentar de Portugal, sub-subproduto final de uma ideia importada, que vai continuar a ser tentada até que o Chega consiga usar as forças de segurança e a população descontente para fazer o seu assalto ao poder, como tentaram Trumpe Bolsonaro.
Não sei o que se passa na Venezuela, mas o pouco que sei de história leva-me a tirar algumas conclusões que quero partilhar.
A “guerra” não é verdadeiramente sobre quem governa na Venezuela, mas se quem governa é “dos nossos”, se os recursos naturais vão estar abertos “aos nossos”, se as reservas de petróleo da Venezuela (as maiores do mundo, mas cujo o crude é de difícil refinação) vão estar abertas apenas para “os nossos”, num momento em que a Arábia Saudita está a reduzir a sua produção de barris por dia para que a Rússia possa aumentar a sua quota de mercado e assim prolongar o seu esforço de guerra.
Nunca foi sobre Maduro. Emmanuel Macron na COP27, em Sharm El-Sheik, já se tinha aproximado de Maduro para conseguir uma alternativa energética para a Europa, num momento em que as tensões Rússia-Ucrânia tinham despoletado no conflito armado que agora conhecemos tão bem.
A Europa queria um novo amigo sul-americano, num momento de necessidade extrema, mas o “amigo” não é ditador desde ontem, é uma raposa velha e não cedeu.
Agora tentam pela “força das urnas” levar a democracia à Venezuela. Mas e se não resultar por esta via? Partiremos para a violência? Da mesma forma como partimos para a violência quando invadimos o Iraque em busca de armas de destruição massiva e de levar a democracia e o “modo de vida ocidental” ao Médio Oriente? Ou quando levámos a democracia à Líbia, fazendo este país regredir ao século XIV, com mercados de escravos a céu aberto?
Não sei o que é verdade e o que é mentira, mas reconheço este jogo que já está velho e cansado.
O jogo da interferência e dos interesses. Pode, talvez, estar na hora de dar uma oportunidade à independência dos estados, de dar uma oportunidade à cooperação, de parar com a interferência externa.
Porque este ditador é mau, é comunista, é antidemocrático, é o diabo a sete. Para quando esta pressão com Netanyahu e com a extrema-direita israelita que persegue muçulmanos e cristãos na Terra Santa das três religiões do Livro, em nome de um suposto etnoestado judaico? Para quando a pressão para acabar com a carnificina palestiniana? Para quando esta pressão com Narendra Modi e com a sua perseguição religiosa às minorias cristãs e islâmicas na India hindu, e com a sua posição em cima do muro entre os EUA e a China? Para quando esta pressão com Putin e com a Arábia Saúdita?
Ou já nos esquecemos do que está a acontecer no resto do mundo?
Não consigo distinguir a verdade da mentira, mas temos de encontrar uma maneira de o fazer. Caso contrário, para entrar na moda de citar o Papa Francisco nas Jornadas Mundiais da Juventude em Lisboa, será o fim de todos, todos, todos.
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