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Ajustes da Comunicação Social aos problemas da Saúde Mental

Já não será a primeira vez que uma crise de saúde pública traz cenários de depressão, de ansiedade e stress pós-traumático. No entanto, discutimos o reforço do sistema nacional de saúde e o papel de hospitais privados, criamos planos de recuperação económica pós-covid, as instituições de ensino procuram proporcionar as melhores condições possíveis para os seus estudantes, a Direção-Geral de Saúde limita ao máximo atividades que possam provocar ajuntamentos e são escassos os planos de apoio às vítimas de problemas relacionados com a saúde mental.

Crónica de Bernardo Ribeiro

Para a rubrica Aspas Aspas


Vivemos num período no qual se questionam todo o tipo de consequências pessoais que possam ser geradas pela pandemia. A maioria teme, evidentemente, pelo seu bem-estar físico, muitos desesperam pela recessão económica que se fará sentir após o período de estagnação da produção nacional, os estudantes temem pela qualidade do ensino, outros criticam os ajuntamentos populacionais e tudo isto acaba por contribuir para um mal comum a todas estas preocupações: as doenças do foro psíquico que possam daí advir. Já não será a primeira vez que uma crise de saúde pública traz cenários de depressão, de ansiedade e stress pós-traumático. No entanto, discutimos o reforço do sistema nacional de saúde e o papel de hospitais privados, criamos planos de recuperação económica pós-covid, as instituições de ensino procuram proporcionar as melhores condições possíveis para os seus estudantes, a Direção-Geral de Saúde limita ao máximo atividades que possam provocar ajuntamentos e são escassos os planos de apoio às vítimas de problemas relacionados com a saúde mental. Em junho do ano passado, a Federação Académica do Porto fez uma sondagem que concluiu que, desde março, quase 80% dos estudantes [que frequentam o ensino superior no Porto] sentiram um aumento do estado de ansiedade, depressão ou outro e só 36% afirmaram ter tido a ajuda necessária em tempo útil. A procura por antidepressivos continua a aumentar, tendência que já se vinha agravando desde antes do início da pandemia em Portugal: desde julho que os portugueses desesperam com o esgotamento do stock do Victan, fármaco usado para tratar ataques de ansiedade e de pânico, que só em outubro voltou a ser reposto para venda; os suicídios são a segunda causa de morte nos jovens, com especial impacto nas faixas etárias entre os 15 e os 30 anos, e 90% destes são motivado por perturbações psiquiátricas; e os profissionais continuam preocupados com o consumo inconsciente de comprimidos para resolver problemas mentais. À parte a falta de recursos para prevenir estes problemas, é importante identificar também parte da causa destes.


A sociedade viu-se forçada a adaptar-se a uma nova realidade. Tivemos de abdicar de saídas à noite, de cafés com os amigos, das aulas, do desporto, que assume um papel fundamental nesta batalha de saúde mental e que tende também a ser desvalorizado, e de tantas outras atividades e eventos que estruturavam a nossa rotina. Ora o ser humano tem sempre dificuldade em conviver com a mudança, mas não estaria certamente preparado para uma readaptação tão intensa. Tudo isto já seria motivo suficiente para impulsionar este agravamento do estado mental dos indivíduos. Eis que, no entanto, surgem os programas de desinformação nos media e redes sociais. Os telejornais, que desde fevereiro ansiavam que Portugal também caísse na desgraça de ter o primeiro infetado com o novo vírus, passam horas a comentar este tema, com pouco rigor e através de métodos de informação duvidosos. Nas redes sociais a moda é partilhar ao minuto as consequências nefastas para quem contrai o SARS Cov-2 e os seus utilizadores ficam cada vez mais dependentes das atualizações que possam surgir. O que estes não sabem é que a informação falsa corre 6 vezes mais depressa do que a informação verdadeira e que, portanto, aqueles que estão realmente preocupados em informar em troca do bem-estar da sociedade lutam contra uma máquina que tem 6 vezes mais vantagem e que não se importa de desinformar em troca de «likes» e «views». E entramos, portanto, numa espiral em que o tempo se encarregará de atuar conforme a vontade daqueles que realmente nos lideram, os responsáveis pelos meios de comunicação.


Em suma, caímos novamente no mesmo erro. Vamos voltar a adotar uma política de reação em vez de ação. Deixamos que a procura por audiência e visibilidade fosse mais forte e não prevenimos uma situação que é grave e que já tinha dado provas disso no passado. Entre 2002 e 2003 um surto de SARS (síndrome respiratória aguda grave) também vitimou algumas pessoas. Apesar das diferenças para a atualidade, um estudo publicado 10 anos mais tarde na revista East Asian Arch Psychiatry mostrou que mais de metade dos sobreviventes a esse surto manifestaram sintomas de stress pós-traumático e 39% tiveram depressão. Temo que a realidade se volte a repetir, agora, mas num cenário ainda mais catastrófico. De uma coisa estou certo: todos aqueles que neste momento se sentem mais retraídos e receosos em relação à fase por que estamos a passar não podem nem se devem sentir isolados. Se há qualidade inerente a todos os que sentimos estes apertos no peito e as dificuldades em respirar quando entramos nesta bolha intelectual que nos envolve em pensamentos que preveem cenários malignos, é a de conseguir esconder bem este sentimento e fazer transparecer qualidade e bem-estar na vida para os de fora. E, portanto, se vos servir de consolação, lembrem-se que estamos mesmo todos no mesmo barco.




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