No espaço de apenas dois anos a economia mundial vai a caminho da segunda crise. Quando digo economia leia-se agentes económicos, ou seja, famílias, empresas e o próprio Estado. Estas crises têm sido provocadas por choques completamente exógenos à atividade económica. A primeira foi causada por uma questão de saúde pública e a segunda por uma decisão belicista completamente irracional de um líder autoritário.
de Joaquim Couto
Depois da grave crise de 2008, os governos e bancos centrais começaram a prestar mais atenção a aspetos como a dívida pública ou o défice, de forma a conseguirem responder de forma mais eficaz em futuras crises. Mas a verdade é que o futuro foi completamente distinto daquilo que era previsível. Primeiro veio uma pandemia em que as empresas tiveram de parar (pelo menos em parte) a sua produção por questões de saúde pública. Aliado a isso, os consumidores reduziram o seu consumo fruto da incerteza e dos confinamentos e encerramento de estabelecimentos comerciais. Agora estamos perante um plano belicista de um ditador que pretende anexar um estado soberano.
Esta situação de guerra é em primeiro lugar um enorme drama humano. Milhões de pessoas deixam as suas casas e fogem para conseguir sobreviver. Outras infelizmente não conseguem fugir. Para além deste drama humano (que por si só já seria mais do que suficiente) estas situação terá consequências graves para a generalidade dos países.
Do lado da procura, ou seja, os indivíduos que consomem bens e serviços, iremos assistir, a meu ver, ao seguinte: nesta fase em que o mundo parece estar a sair da pandemia que nos condicionou a vida ao longo dos últimos dois anos, os agentes económicos estavam a reajustar as suas expectativas, ou seja, a prepararem as suas decisões económicas tendo por base um futuro mais previsível. Mas esta situação de guerra veio trazer de novo uma grande imprevisibilidade aos agentes, pelo que tenderão a voltar a adiar as suas decisões de consumo e investimento. Tenderão também a não investir ou consumir as poupanças arrecadadas durante os anos de pandemia preferindo adiar essas decisões. Tudo isto irá limitar o crescimento por via da procura. Aliado a isto, muitas famílias irão ver algumas das suas principais despesas aumentarem: por exemplo, uma família que não tenha alternativa ao uso do automóvel particular, nas suas deslocações, irá ter uma despesa acrescida com combustíveis. Isto fará com que fiquem com menos rendimento disponível para outras despesas.
Por sua vez, do lado da oferta, as empresas estão também a sentir algumas dificuldades. Ao longo da pandemia algumas cadeias de abastecimento foram bastante afetadas fazendo com que os preços de alguns produtos/matérias-primas oscilassem. Numa altura em que se esperava alguma normalização da situação, a guerra veio agravar ainda mais a situação. Algumas cadeias de abastecimento estão a ser severamente afastadas com destaque para o petróleo e gás russo. Ora estes recursos são fundamentais na produção de bastantes empresas, pelo que várias terão de refletir este aumento de custos nos seus preços ou parar a produção.
Estima-se que a dependência energética face à Rússia ronde os 40%. Estas ruturas estão relacionadas com as sanções, medidas essas que considero inteiramente justas. É nossa obrigação moral enquanto cidadãos de um mundo livre ajudar o povo ucraniano, que luta neste momento pela liberdade e soberania no seu território.
A curto prazo, é fundamental que as autoridades políticas consigam ajudar os agentes económicos a ultrapassarem as dificuldades que a atual situação lhes coloca. Creio que a solução mais eficiente passa pela subsidiação de uma parte do consumo de bens que viram o seu preço aumentar bastante (como por exemplo o autovoucher em relação aos combustíveis) e não pela fixação de preços. Esta última medida levaria a uma deterioração da oferta dos bens em causa e de uma situação de preços altos passaríamos rapidamente para uma situação de racionamento.
A longo prazo, parece-me claro que o próximo passo a dar pela União Europeia e diversos governos europeus será o de criar uma independência energética face à Rússia.
Talvez esta crise nos combustíveis nos tenha ensinado uma lição: não devemos estar dependentes economicamente de regimes autoritários por mais que isso possa ser mais rentável em determinado momento. Há valores dos quais as sociedades livres não devem abdicar e quando deles abdicam, as consequências acabam sempre por surgir.
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