Com o desenrolar do processo de vacinação surgiu uma questão pertinente sobre o processo: se devíamos ou não suspender as patentes das vacinas. Ao longo deste artigo procuro fazer uma abordagem económica sobre essa questão.
Texto de Joaquim Couto
Um primeiro fator que importa esclarecer no debate é de que uma vacina não é, nem nunca poderá ser, um bem público. Para o ser teria de ser não exclusiva e não rival, ou seja, não podia ser inacessível a ninguém e a sua utilização por parte de um indivíduo não iria diminuir a quantidade de vacinas para outro indivíduo. Como se pode constatar a vacina cumpre o primeiro requisito, ou seja, é administrada de forma gratuita a quem a quiser tomar, mas falha no segundo pressuposto. A vacina que o indivíduo A toma não dá para o individuo B. Não são semelhantes, por exemplo, a um candeeiro público que consegue iluminar ao mesmo tempo duas ou mais pessoas que passem lá pela rua.
A partir daqui podemos perceber que existe um incentivo económico de produção das mesmas. A indústria farmacêutica exige elevados investimentos em investigação e desenvolvimento e, desse modo, é natural que as empresas do setor recorram às patentes para protegerem as suas invenções.
Isto é, guardam para si a exclusividade de produção do bem durante 20 anos. Este é um importante motor do crescimento económico, pois se os inventores pudessem ser facilmente copiados teriam poucos ou nenhuns incentivos a continuar o seu trabalho.
Não alinho, portanto, em argumentos puramente “anti-lucro”. É o incentivo a esse mesmo lucro que levou as farmacêuticas a apostarem fortemente em investigação ao longo dos anos e produzirem a cura para um sem número de doenças.
Visto o argumento dos incentivos económicos e da sua ligação ao crescimento da economia parece-me importante balanceá-lo com um argumento contrário: os elevados montantes que vários governos deram para a investigação no sentido de se produzir a tão desejada vacina. Parece-me claro que os laboratórios que produziram as vacinas ficam com uma importante responsabilidade social.
É preciso salientar ainda que estamos numa situação muito excecional, visto que a última grande pandemia ocorreu há cerca de 100 anos. O levantamento de patentes existe para momentos excecionais. Daqui surge a pergunta óbvia: se uma pandemia não é um momento excecional em termos de saúde pública, então, o que é um momento excecional?
Por isso, acho que levantar as patentes pode ser uma solução para mitigar o problema. Mas como não acredito em soluções milagrosas (pois a realidade social é complexa) sou tentado a pensar que poderá não ser suficiente para resolver o problema. E porquê? Porque mesmo com o fim da exclusividade de produção continuámos com o problema da capacidade produtiva. Não sou da área da saúde, mas acho que facilmente se percebe que a produção de vacinas não se faz de maneira imediata, sendo preciso tempo para a criação de equipamentos produtivos e também de mão de obra qualificada.
Parece-me também importante que exista um esforço na partilha de vacinas. Temos de agir de forma eficaz para conseguir imunizar boa parte da população mundial e não corrermos o risco das novas mutações. Não podemos ter o levantamento das patentes e depois uma inexistência de partilha das vacinas.
Em suma, devo dizer que é um tema no qual o debate não deve assentar apenas sobre certezas. Reconhecendo a importância das patentes na inovação e no crescimento da economia considero que este é um momento excecional. O levantamento das patentes pode ajudar, mas não vai produzir efeitos milagrosos sendo preciso muita cooperação internacional e algum tempo pois não estamos a falar de algo que seja fácil produzir.
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