“Surpresas, implosões e outros golpes de teatro que deverão marcar uma longa época de primárias.”
por João Maria Jonet
A longa corrida à Casa Branca começou na semana passada, no Iowa. A partida foi em falso, com uma falha técnica a dar cabo do anúncio oficial dos resultados e tornando anti-climática a vitória que para juntar à confusão foi dividida entre Bernie e Buttigieg. Esta semana foi a vez do New Hampshire e os da frente continuaram a ser os mesmos. Pelo meio tivemos surpresas, implosões e outros golpes de teatro que deverão marcar uma longa época de primárias.
Vou tentar fazer um apanhado do que é que estas primeiras batalhas nos dizem sobre o estado do Partido Democrata e das hipóteses que os seus candidatos têm de vencer Trump. Sim, porque no meio disto houve um impeachment e há um inimigo comum na Sala Oval. A guerra interna é apenas o primeiro passo para o grande objetivo de mais de metade da população americana há três anos, remover a mancha cor-de-laranja que suja o selo presidencial.
A impopularidade histórica de Trump dá alento aos 8 candidatos Democratas que começam este mês a luta pela nomeação do seu partido. Vou tentar ser o mais conciso e claro possível para não arrastar muito esta crónica.
O favorito neste momento é o progressista Bernie Sanders, que se tornou uma figura de culto depois de desafiar Hillary Clinton em 2016, resistindo na corrida bem para lá do seu ponto de viabilidade e fragilizando de forma possivelmente fatal o Partido. É um candidato popular junto da classe trabalhadora, jovens e esquerdistas mais radicais. Mas há mais candidatos apoiados por estes grupos. O que define mais os apoiantes de Bernie é mesmo o culto da personalidade. É normal as sondagens mostrarem que Bernie é quem tem mais apoiantes que se recusariam a votar noutros Democratas contra Trump, mais apoiantes que prestam pouca atenção a propostas e ao dia-a-dia da campanha e mais apoiantes que tomaram a decisão de o apoiar há muito tempo. O atual favorito à nomeação é portanto um candidato de facção, apoiado por pessoas que tal como ele estão pouco interessadas na minúcia e possibilidade de execução de propostas políticas e mais concentrados em gritar revolução e parecer edgy.
Sabemos isto por causa do contraste que faz com a muito diminuída Elizabeth Warren, que é mais nova que Sanders (fator importante visto que o Senador teve um ataque cardíaco em Outubro), tem menos esqueletos no armário (não passou a lua-de-mel na União Soviética) e melhores propostas (tudo o que Bernie quer fazer através de gritos, Warren propõe-se a fazer com milhares de páginas de planos detalhados). Warren era a melhor hipótese da ala progressista ter uma candidata viável e capaz de unir o partido, mas o fanatismo à volta de um revolucionário geriátrico tem sido demasiado forte.
E isto é só metade da história.
Há também uma ala moderada (até agora maioritária, mas mais dividida) que defende que os Democratas não devem assustar os Republicanos que têm abandonado Trump nos últimos anos com ideias de revolução. Devem antes voltar aos bons velhos tempos de incrementalismo e ponderação de Obama, não abanando demasiado um barco que parece destinado ao sucesso. Joe Biden era o líder desta ala até aos primeiros votos serem contados. Visto como o melhor candidato contra Trump (o Presidente teve tanto medo dele que quase foi removido por isso), liderou confortavelmente as sondagens até esta semana. Sempre foi popular junto da classe trabalhadora branca. Juntou a isso o apoio dos centristas que temiam Sanders. E para completar uma coligação que parecia invencível estavam as minorias, que só querem acabar como pesadelo do Trumpismo, que as afeta muito mais do que aos liberais brancos com que partilham o partido (a ligação a Obama também ajudou).
Mas para ser tido como um vencedor é preciso... vencer. Biden não era um bom candidato nem para o Iowa nem para o New Hampshire, mas ficar em quarto e em quinto é um desastre impensável. A imprensa fê-lo pagar e os seus rivais na luta pelo trono centrista também. Pete Buttigieg e Amy Klobuchar, relativos desconhecidos na cena nacional, usaram uma campanha de proximidade e um perfil geograficamente favorável para conquistarem excelentes resultados e deixarem Biden ainda mais no chão. Michael Bloomberg, o 9° homem mais rico do Mundo, também espreita o cadáver do antigo Vice-Presidente. O bilionário antigo mayor de Nova Iorque decidiu ignorar as 4 eleições de fevereiro e concentrar os seus ilimitados recursos na Super Tuesday (primeiro terça-feira de Março, quando a maioria dos Estados votam).
Se Biden não recuperar e com Warren praticamente neutralizada, Bernie só espera que o centro escolha o candidato para o tentar derrotar. Até lá vai acumulando vitórias contra uma oposição dividida. Quanto mais tempo demorarem, mas favorito Bernie fica. É impossível dizer quem será mais eficaz contra Trump, mas estou a apostar que um auto proclamado socialista de 78 anos não é o melhor que este enorme grupo de candidatos (chegaram a ser 25) podia produzir.
Para explicações mais aprofundadas sobre as regras do processo, candidatos e grandes eventos das primárias podem consultar os posts, vídeos e podcasts que já publiquei e continuarei a publicar no Parágrafo sobre este assunto
João Maria Jonet
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