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Bo Burnham: De dentro para fora e vice-versa

Estar fechado em casa não é o conteúdo do especial, é só o seu invólucro. O que nos faz rir, o que é que ser artista e para onde é que caminhamos, continuam a ser os temas que Bo Burnham traz para cima da mesa
"Bo Burnham: Inside" estreou na Netflix em maio de 2021

Crónica de Guilherme Ludovice


O novo especial de Bo Burnham: Inside, pode já surgir como um tema cansado quando estiver a ler esta crónica, mas, por alguma razão, não consigo deixar de pensar nele. Assim sendo, não tenho como não escrever sobre isto, o tema e as músicas não me saem da cabeça. Ficava-me mal estar a escrever sobre o final sombrio da série da HBOMare of Easttown, se na cabeça só ouvia "healing the world with comedy", um dos versos deste novo especial.


Portanto, resumidamente, depois de lançar o especial Make Happy em 2016, Bo Burnham parou de atuar devido aos ataques de pânico que sofria enquanto estava em palco. No final do especial vemo-lo a abandonar o estúdio onde compunha as músicas que acompanhavam os espetáculos, fechando a porta atrás de si. Seis anos depois ter deixado os palcos, Bo está de volta ao anexo, a gravar sozinho a totalidade do novo especial.


Para um espetáculo gravado ao longo dos últimos 12 meses, e durante a pandemia, as referências à Covid são quase nulas. Estar fechado em casa não é o conteúdo do especial, é só o seu invólucro. O que nos faz rir, o que é que é ser artista e para onde é que caminhamos, continuam a ser os temas que Bo Burnham traz para cima da mesa: a criatividade e o domínio que tem sobre a forma é que é tão surpreendente que desviar o olhar se torna impossível.


Bo sempre foi utilizando músicas ao longo dos seus espetáculos, mas desta vez a produção faria inveja a muitos álbuns lançados nos últimos anos. O que Father John Misty profetizou em 2017 com Pure Comedy, parece tornar-se realidade em 2021. Bo Burnham acede ao mesmo imaginário distópico com os pés na terra, em canções que atravessam e desafiam géneros musicais. O paralelo com Pure Comedy é, no entanto, quase inevitável naquela que é talvez, dos meus momentos musicais preferidos ao longo desta hora e meia. Funny feeling, uma balada folk que inclui drones que entregam livros de auto-ajuda, enquadra-se na perfeição com a ideia de passar uma noite com Taylor Swift, através de óculos de realidade virtual de Total Entertainment Forever, a segunda faixa de Pure Comedy. Uma coisa é certa, os dois cenários estão mais próximos hoje do que estavam em 2017.


A primeira vez que vi o especial senti que levei um murro emocional. Da segunda vez parei para observar e fiquei maravilhado com a capacidade técnica que envolveu a criação de cada segmento. Na terceira não sei se não me vai apetecer reescrever esta crónica por inteiro, falamos daqui a umas semanas?


O que fica, para além das músicas viciantes, da edição imaculada e dos jogos de luzes psicadélicos de fazer inveja a um planetário, é perceber o que significa uma entrega total de um artista a um projeto. Isso, e claro, o riso. Senti-me uma criança ver um truque de magia, num momento maravilhada, noutro a rir-se porque foi enganada. Se durante o especial pode surgir a dúvida sobre os momentos mostrados como reais, a única certeza é que todos os sentimentos demonstrados são verdadeiros. Só podem ser. A entrega total, colocando-se nu perante o espetador (não só figurativamente) é um ato de coragem que nos faz temer por ele. Não há exposição sem vulnerabilidade. Desconcerta-me perceber que não consigo pensar em algo que possa ter ficado por mostrar. Bo Burnham ficou seis anos sem lançar um especial, mas com “Inside” deu tudo, despejou tudo o que tinha dentro de si cá para fora e ainda bem que o fez.

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