De João Campos
No final deste mês de outubro acontecerá a cerimónia da Bola de Ouro de 2024. Estamos a (re)habituar-nos a tempos estranhos: Messi e Ronaldo já não são os protagonistas.
Temos jogadores que estiveram perto de almejar o prémio durante essa dinastia, como Iniesta, Xavi, Neuer, Ribéry, Suárez ou Neymar; e até os que ganharam a luta dos Deuses, como Benzema, Modric (e Lewandowski, se a France Football reparasse o erro que fez). Mas a verdade é que já não nos lembrávamos bem de como isto era antes: uma disputa extremamente discutível, dependente das vitórias coletivas e de uma fugaz - às vezes completamente isolada - grande época. E está tudo bem com isso.
O herói que ganhou a Bola de Ouro antes dos (e aos) dois maiores jogadores de todos os tempos foi um tal de Kaká, em 2007. A elegância do craque brasileiro figurava naquela passada larga que tanto pautava como desequilibrava o jogo de um AC Milan que acabaria campeão europeu nesse mesmo ano.
Mas lembram-se, por acaso, da Bola de Ouro anterior a essa?
O pódio foi Thierry Henry (finalista da Champions e do Mundial desse ano), Gianluigi Buffon (campeão do Mundo) e o prémio foi para Fabio Cannavaro (capitão dessa mesma Itália campeã mundial).
Cannavaro era um grande jogador, dos melhores centrais da sua geração, mas essa Bola é um retrato de como isto funciona. E se os penáltis do França – Itália naquela final em Berlim tivessem caído para os franceses em vez dos italianos? E se falarmos da final da Champions desse ano entre Barcelona e Arsenal? Se o resultado que estava aos 75 minutos - com os londrinos na frente do jogo - tivesse permanecido igual e os Gunners tivessem levado esse título inédito na sua história, cruelmente "roubado" aos 81 minutos com a machadada final de Belletti? Nesse caso, Henry, francês e estrela da frente do clássico O₂ de Arsène Wenger, teria sido indiscutivelmente o Bola de Ouro de 2006.
Ainda assim, talvez, não seja o único. O que dizer de Raúl? Ou de Lampard e Maldini? Só para mencionar alguns dos que ainda tenho algumas memórias de ver jogar. Mas se formos àqueles que já citei e tiveram o azar de surgir na mesma geração que Ronaldo e Messi? Iniesta e Xavi são dos melhores médio-centros da história do futebol e têm zero Bolas de Ouro em casa.
E a sina de Neymar?
Nunca ganhou nada pelo, provavelmente, melhor país a jogar à bola do mundo, é verdade. Mas olhamos para trás, vemos vários jogadores brasileiros que alcançaram o topo do futebol mundial e será que há assim tantos com carreiras superiores à de Neymar? Haverá, diria, dois ou três; quanto ao resto, tenho dúvidas.
A esta altura, aparentemente, já se sabe quem ganhou a Bola de Ouro de 2024. Digo-o com infelicidade porque, nesta época dos insiders e da pressa para tudo, perde-se alguma magia da surpresa até ao dia da gala onde se anuncia o homem vitorioso. Quem não se lembra do nascimento do icónico "Siiiiu"?
Este ano houve vários candidatos legítimos: Vinícius, Rodri, Kroos, Bellingham, Mbappé ou talvez ainda mais. Candidatos que vão desde nomes ainda a emergir, outros bem estabelecidos e um até entretanto já reformado. Com isto, pode surgir perfeitamente a questão: quem vai ganhar a Bola de Ouro é o melhor do mundo? Ou é quem naquela época combinou bons momentos, números individuais e conquistas coletivas? Se for assim, há mal em entregar a Bola de Ouro com base nessa avaliação? Eu diria que não a esta última interrogação.
Olhando um pouco para a liga de outro desporto: quantos anos seguidos LeBron James foi visto genericamente como o melhor jogador da NBA sem levar para casa um prémio de MVP ou mesmo o MVP Finals? E Kobe Bryant, que apenas ganhou um prémio de MVP em toda a carreira?
Hoje, olhamos para trás e perguntamo-nos: quem foi o melhor jogador de futebol dos anos 2000? Haverá vários nomes que nos podem vir à cabeça, claro. Mas quase consigo apostar que surge à maioria primeiro o nome de Thierry Henry do que o de Fabio Cannavaro, ou até mesmo, talvez, o de Pavel Nedved e Andriy Shevchenko, já para não falar de Michael Owen. Todos estes quatro nomes foram Bolas de Ouro nessa década, e Henry não.
Apesar de hoje o futebol se fazer de muita estatística - algumas mais rudimentares que outras - há coisas que se continuam a decidir com o tempo e com os mitos que se criam nos cafés e nas consolas.
Delibera-se mais nos vídeos bons para ver e nas histórias boas para contar sobre as fintas, os passes de rutura, os cortes in extremis, os golos, as decisões, a capacidade de aparecer nos momentos-chave, e menos, talvez, nos rankings da Bola de Ouro.
Os prémios individuais ajudam como fotografia de um momento, sem dúvida, mas não são tudo, não captam uma carreira nem reproduzem verdadeiramente uma geração. Portanto, o meu conselho é este: mais atenção aos cafés e às consolas.
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