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Bronze lives matter


Crónica de João Moreira da Silva

Estudante de Direito, FDUL


Os casos de vandalização de estátuas e outros monumentos históricos têm-se multiplicado pelo mundo fora. Desde castigos mais leves, como riscos vermelhos nas suas caras, a brutais decapitações, os senhores de mármore são neste momento a minoria oprimida mais polémica do momento.


As opiniões dividem-se. Os decapitadores profissionais dizem que estas estátuas refletem valores arcaicos e desatualizados, com mensagens de racismo, xenofobia, e demais preconceitos. Por essa razão, devem ser retiradas da praça pública – não vá uma criança decidir ser fascista quando der por ela a passar pelo Winston Churchill. Por outro lado, os sujeitos que preferem manter a cabeça das estátuas dizem que estes senhores que andam a praticar o graffiti no Padre António Vieira deviam ir todos presos. E talvez decapitados.


Como se vê, temos direito a posições sensatas e moderadas das duas partes. Devo dizer que compreendo os dois lados.


Quanto ao lado dos manifestantes, faz todo o sentido decapitarmos ou riscarmos aquilo de que não gostamos. Aliás, não consigo pensar noutra melhor opção para debater o problema estrutural do racismo em Portugal (e no mundo ocidental) que de vandalizar todas as estátuas de figuras ligadas à época da escravatura. Toda a gente sabe que se retirarmos estas estátuas de circulação, o racismo desaparece - Adolf Hitler retirou de circulação, na Alemanha Nazi, livros de Sigmund Freud e de Franz Kafka e nunca mais se ouviu falar neles na história da humanidade. É uma técnica eficiente.


Por oposição a esta tese, alguns parvos dirão coisas como “ah, mas não seria melhor educar as pessoas sobre os efeitos trágicos da escravatura promovida pelo Império Português durante séculos e sobre estas estátuas, em vez de vandalizá-las?”. Claro que esta tese não faz sentido nenhum. As pessoas devem ser tratadas como seres de baixa inteligência, que não são capazes de aprender história e que por isso não devem ser expostas a este tipo de estátuas – afinal de contas, ver estes monumentos pode influenciá-las de forma negativa e ainda ficam com ideias na cabeça. Já o Mao Tsé-Tung, em 1958, decidiu manter 78 dos 8000 (sim, oito mil) monumentos históricos de Pequim. E toda a gente sabe que este senhor era impecável e tinha uma forte veia de humanista. Ele fê-lo pelo bem do povo da China, porque os chineses nunca seriam capazes de compreender a sua história por si próprios.


Por outro lado, temos as pessoas que defendem que quem experimentou a técnica de stencil numa das crianças indígenas que acompanha a estátua do Padre António Vieira devem ir presas por vandalização de monumentos nacionais. Na verdade, até houve quem comparasse esta pintura rupestre a um ataque terrorista do estado islâmico. Devo dizer que também compreendo esta posição, igualmente sensata. Já começava a ser estranho ver a Europa toda com atentados terroristas e nós aqui no cantinho sem direito a nenhum verdadeiro ataque de terror. Aí está ele – um grupo de jovens radicalizados juntou-se e usou uma estátua como um livro de colorir. Se pusessem dois prédios altos à frente deste perigoso grupo de indivíduos, será que faziam um graffiti do Che Guevara? Arrepio-me a imaginar.


No fundo, esta lógica de classificar como terroristas as pessoas que andaram a usar as suas latas de spray pela noite fora parece ser sensata. Afinal de contas, como ousam estes grupos ofender a nossa história? A violência e a destruição nunca são a solução... a não ser que estejamos na época colonial e que seja necessária violência e destruição para poder estabelecer mercados em países que descobrimos. Nesse caso já pode ser a solução.


Como se vê, o panorama político do nosso país afigura-se recheado de sensatez e moderação. Resistimos juntos a este atentado terrorista e continuamos a pintar monumentos para acabar com o preconceito em Portugal. Ao mesmo tempo, temos de ter cuidado para que nenhum destes terroristas ponha mão num artigo da TimeOut com uma lista de estátuas imperdíveis em Lisboa.

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