Estamos no Pride Month e isso é evidente: entra o mês de junho e vemos uma correria, por parte das corporações, aos logotipos com as cores do arco-íris e aos slogans com mensagens a apoiar todas as formas de amor. Por todo o lado, durante somente estes trinta dias do ano, adota-se esta estratégia de marketing oportunista, não fosse a utilização dos símbolos LGBTQIAP+ uma das mais rentáveis para as empresas.
de Rita Varela
A representação da comunidade queer quer-se, mas de que forma? Certamente não através deste rainbow capitalism (capitalismo arco-íris), que nada mais é do que a comercialização e mercantilização dos movimentos LGBTQIAP+, um aproveitamento das empresas com vista ao aumento do consumismo, que não só não desempenham um papel real e significativo para a comunidade, como são ainda responsáveis por uma subversão e apagamento da história. O rainbow capitalism e o pinkwashing correspondem então à exploração de comunidades marginalizadas, por parte de empresas, marcas e organizações políticas que, ao utilizarem estes símbolos e movimentos sem entendê-los, sem respeitá-los e sem terem o verdadeiro objetivo de contribuir para a inclusão e para emancipação da comunidade LGBTQIAP+, apenas servem os seus interesses lucrativos.
No cerne deste marketing performativo e carregado de hipocrisia, não há espaço nem interesse em abordar a violência que é continuadamente direcionada à comunidade, não há um esclarecimento relativamente às origens do Pride como o ato de resistência que é, mantendo-se a predominância da representação de homens gays, brancos e cisgénero e a sub-representação da restante comunidade, especialmente das pessoas trans negras. O Pride que celebramos hoje e o início da libertação queer, devemo-los à luta e à resistência de mulheres negras trans que fizeram frente à brutalidade policial, ao assédio, discriminação e abuso sancionados pelo Estado, arriscando as suas vidas, como aconteceu no dia 28 de junho de 1969, aquele que ficou marcado pelas revoltas de Stonewall.
Inúmeras grandes corporações que vêm a público durante o mês de junho, ‘apoiar’ e patrocinar a causa e as marchas LGBTQIAP+, são na verdade responsáveis pela perpetuação da opressão e da discriminação socioeconómica de que a comunidade é alvo.
Segundo dados da OCDE, no que concerne ao acesso ao trabalho e à discriminação na contratação, as pessoas que se declaram lésbicas, gays, bissexuais ou trans têm menos 7% de probabilidade de conseguir um emprego, em comparação com a restante população. Quando trabalham ganham menos 4% e, se considerarmos exclusivamente a população trans, as percentagens são significativamente mais altas. Segundo dados recolhidos na página da organização Pride at Work, 30% das pessoas trans entrevistadas no contexto de um estudo representativo das tendências sociais americanas, dizem ter sido despedidas, negadas uma promoção ou não contratadas para um emprego devido à sua identidade ou expressão de género. Também nos EUA, durante o auge da pandemia da COVID-19, em 2020, as pessoas LGBTQIAP+ enfrentaram uma probabilidade 36% mais alta de serem despedidas ou terem horas reduzidas em comparação com a população em geral.
Por trás de propagandas de fachada e de slogans inclusivos, muitas marcas financiam campanhas políticas abertamente anti-LGBTQIAP+. Vários exemplos têm sido trazidos a público, como é o caso da companhia de telecomunicações americana AT&T que, ao mesmo tempo que patrocinou uma iniciativa queer de prevenção ao suicídio (Trevor Project), doou milhões de dólares a representantes políticos que tentaram ativamente bloquear o Equality Act de 2019. Também a Amazon e a companhia Walmart financiaram tais políticos, sendo que esta última, oportunisticamente solidária com a comunidade LGBTQIAP+, continua a vender produtos da coleção ‘Walmart Pride Collection’ após ter sido exposto o processo de que foi alvo em 2015 pela discriminação de um casal do mesmo sexo.
Comercializar merchandising alusivo ao movimento queer passa a ideia de que as empresas se alinham à causa, o que se repercute numa maior legitimação das mesmas. A apropriação de símbolos de diferentes lutas para fins lucrativos é uma prática utilizada recorrentemente pelas corporações.
Já todos ouvimos falar de greenwashing, a técnica de marketing que visa criar uma ilusão de responsabilidade ecológica através da apropriação de virtudes ambientalistas, ou de purplewashing, conceito que se refere às estratégias de marketing utilizadas na promoção de instituições e empresas através do apelo a um (falso) compromisso com a causa feminista. Assim, mercantiliza-se a ‘consciência’: ao comprarem estes produtos, os consumidores pensam estar a contribuir para a resolução de problemas, para a sua consciencialização e para a dos demais.
A grande questão é que o Pride, assim como os movimentos feminista e ambientalista, são movimentos ativistas histórica e inerentemente anticapitalistas, que nunca beneficiarão efetivamente das estratégias das empresas e organizações milionárias que subsistem de um modelo económico exploratório que foi, é, e será sempre incompatível com um movimento que luta contra a opressão, luta essa necessariamente socioeconómica, que deve batalhar por uma distribuição justa da riqueza, já que esta é a única forma de deitar por terra a subordinação social que se mantém institucionalizada.
Não é possível a verdadeira libertação queer no seio do sistema capitalista, uma vez que este é um modelo que promove e lucra diretamente com a estrutura familiar patriarcal baseada em papéis heteronormativos de género.
Nele, a mulher é vista como aquela que, por estar mais predisposta do ponto de vista ‘biológico’ para tal, garante a reprodução da classe trabalhadora, essencial à produção, através do desempenho dos trabalhos doméstico e de cuidadora, ambos não remunerados. Neste sentido, se a família baseada em papéis heteronormativos de género representa o garante da reprodução do capitalismo, então a tendência das estruturas que sustentam o sistema será sempre a de reprimir quem ponha em causa esse modelo familiar, perpetuando, assim, a opressão das pessoas LGBTQIAP+.
Apesar de muito ter sido conquistado até hoje, a luta está longe de terminar, já que os direitos iguais que a democracia liberal prometeu continuam a não passar de uma falácia, e a liberdade que temos hoje continua a ser limitada por instituições sociais tais como a própria família, as escolas e as igrejas, todas elas instituições que são sucessivamente reproduzidas e sustentam o capitalismo.
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