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Cartão do adepto: Clubes diferentes, a mesma luta!

Tenho lugar anual no estádio do Dragão desde 2014. Nunca vi o estádio com tão pouca emoção como agora. O topo sul, onde estão os Super Dragões, está hoje praticamente despido durante os jogos. Razão? O cartão do adepto.

de Joaquim Couto





O cartão do adepto foi criado em 2020. Os jogos à porta fechada fizeram que não tivesse impacto logo na época 20/21. Na presente época, com o regresso do público aos estádios, a medida concretizou-se e começamos a ter a existência de zonas nos estádios onde se só pode aceder com o respetivo cartão.


Vamos então às razões que, na visão das autoridades portuguesas, justificaram esta medida. Este cartão pretende combater o racismo, a xenofobia e a intolerância e promover a segurança no acesso aos recintos desportivos. As zonas das “claques” e as zonas de adeptos visitantes estão restritas a portadores deste cartão. De seguida apresentarei uma série de argumentos que me levam a ser contra a existência do referido cartão.


Em primeiro lugar, parece-me importante destacar que o racismo e a xenofobia não se combatem com estigmatizações de grupos de pessoas. Existem adeptos que vivem o espetáculo que é o jogo de diferentes maneiras. Uns, como eu, gostam mais de assistir ao jogo sentados e outros gostam mais de assistir em pé e a cantar. Não faz sentido nenhum discriminar adeptos só porque gostam de viver o futebol de uma dada maneira.


Não quero com isto dizer que no futebol não haja comportamentos lamentáveis de xenofobia e racismo. Eles existem e a forma mais eficiente de combater esses problemas é punir exemplarmente os indivíduos que o fazem e não todo um grupo de adeptos.

Em segundo lugar, a ideia de que o cartão vai combater a violência merece alguns reparos. A violência não é algo exclusivo do mundo do futebol. Portanto tratá-la quase como se fosse um fenómeno exclusivo deste é, a meu ver, um argumento discriminatório do comum adepto. As autoridades têm ao seu dispor um conjunto de mecanismos que permitem sobretudo sinalizar a violência, tais como as imagens televisivas. É ainda importante referir o seguinte: as zonas destinadas aos adeptos visitantes estão, pelo menos em parte, destinadas ao cartão do adepto. Isto vai ter como consequência a deslocação de alguns adeptos visitantes para setores destinados aos adeptos da casa. Isto sim pode propiciar mais violência.


Em terceiro lugar, trata-se de um cartão vedado a menores de 16 anos. A justificação dada é a de que só a partir dos 16 anos é que pode ser imputada “responsabilidade criminal a um indivíduo”. Esta ideia à priori de que só lá podem estar indivíduos aos quais pode ser imputada responsabilidade criminal é absolutamente inaceitável.

O facto de os menores de 16 anos estarem vedados do acesso a estas zonas faz com que não possam acompanhar as suas famílias se estas optarem pelas “zonas com condições especiais de acesso e permanência de adeptos”. Fui algumas vezes para a zona onde hoje estão os lugares destinados ao cartão do adepto no estádio do Dragão antes de ter 16 anos. Se fosse hoje já não poderia acompanhar o meu pai nessas idas ao estádio. É, portanto, uma medida que prejudica as famílias que gostam de futebol.


Um outro ponto ainda sobre as famílias é o seguinte: normalmente nas zonas de “claques” encontram-se os lugares mais baratos do estádio. Ao vedar o acesso às famílias a estas zonas, o cartão do adepto está a prejudicar também famílias com menos recursos.


Em suma, o que posso dizer é que não espero que este cartão tenha efeitos positivos, pois não só não combate eficazmente os problemas que diz combater como ainda agrava alguns. Talvez pelos motivos enunciados acima o cartão do adepto não tenha tido sucesso em outros países.


No dia 10 de novembro serão votados na Assembleia da República dois projetos de lei, um do Iniciativa Liberal e outro do Partido Comunista Português. É da maior importância que os nossos deputados ponham fim a esta medida injusta e discriminatória.


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