Cada dia que passa, está a terra mais gasta, cada sol que nasce mais sapiens habitam este moribundo planeta. Homem convicto, porém, desconfiado e sem a melhor das confianças, é um ser Humano enraizado na sua terra. Humilde como os seus pares, esforçado e dedicado por necessidade e conveniência, é assim mais um entre milhares.
Casado há 32 anos, habitante da Fonte da Vaca há 46, ser humano há 54. Sua mulher, Dona Gisela, é simples como as da região, altruísta, não por definição. Ele é o seu sustento, como qualquer chefe de família à época, ela, caseira campestre, sem grande afinco nas suas lides.
O tempo juntos parece agradável, constroem-se ilusões, pois, na vida, mais vale isso, a partirem-se corações. O Amor era convencionado, nada de espontâneo e diferentemente planeado, mas era algo cimentado na estabilidade da passagem do tempo, aquele que corre e não pára.
Seus dias eram rotineiros, constante o quotidiano, trabalho na oficina e descanso na estrebaria. Um dia, mais um poderia ser, não fosse uma mulher dizer, o que ele não quereria saber, que sua companhia, andaria acompanhada. Negação é o primeiro sentimento, a ele se segue a raiva e a revolta de uma desgraça evidente, quando a traição bate à porta, de nada vale um confidente.
Convicto voltou a ficar, por afetada a sua confiança. Recolheu todos os dados necessários e agiu por falta de esperança. Na casa do oleiro entrou, repentinamente, e viu-o de calças na mão, tristeza foi o sentimento, ao ver sua mulher em cima do colchão. Mão empenhada na sua espingarda, carrega nela todo o seu desespero, aponta-a à sua mágoa e assim se fecha o enredo.
Perante tal estrondo, todos confirmaram a tragédia daquele dia, um Homem sobrevivendo à dor e duas vidas perdidas. O sangue inundou o cenário, a cena inundou as mentes de quem condenava as vítimas e os sobreviventes.
Vítor, agora Homem com nome e criminoso por deter, libertou a angústia de seu corpo, mas não a fez desaparecer. Há traumas que não se curam, por muita areia que possamos tentar usar para cobrir a sua face, este Homem era desgraçado e muitos estavam para vir.
Preso foi nesse dia, uma noite passou encarcerado, pensou no que tinha feito e como estava magoado. Ora surpresa para o Homem comum é que nem é história do século passado, é a realidade do tempo em que o Homem encornado, nem poderia ser condenado. Defesa de honra era a justificação, não se poderia permitir que um Homem fosse ultrajado desta forma, sem poder defender a sua dignidade. Uma bala apaga uma vida, mas um ato perpetua com atrocidade. Estamos num tempo em que as respostas não eram comprimidos, nem sessões de terapia, para ações destas, era assim que se resolvia.
Hoje o homem que é traído, bem como a Mulher que, agora, justamente lhe é igual, tem que lidar com o sofrimento sem poder ir a tribunal. Adultério passou a direito enquadrado na liberdade de cada um e nada hoje protege aquele que carrega a dor permanente de ser traído.
Pois, mas nesta altura já existiam famílias, e estas também com a perda sofrem, pois assim, apesar de o Vítor Albino ser liberto, depois de provado o adultério, a família de Gisela queria obter a sua justiça.
Vítor não era ingénuo, estava consciente do que fez, e o que fez também foi as malas, fugindo apressadamente para Alcácer, no maior pranto possível.
Velho Homem em nova cidade não enterra seu desespero, por muito que se tente desfazer o novelo, uma vida não desliga do passado. Como seria bom voar sobre um ninho de cucos e tapar ferozes e desgastantes pensamentos na hora de pousar e não mais acordar.
Passamos uma vida num casulo, esperando florescer e voar enquanto borboletas, esquecendo que essa vida de realce é das mais efémeras no planeta, e que o casulo será sempre a nossa mortalha.
Vítor não tinha salvação, da ponte cedo saltou, caindo no porão, de um barco que nunca embarcou.
Francisco Cordeiro de Araújo
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