O tempo corre que nem um atleta, entre a nossa adolescência, os nossos namoros, a faculdade e os desafios profissionais, e os nossos pais lá estão, na vida deles, sempre atentos àquilo que fazemos do dom que nos deram. E um dia eles podem precisar de nós.
Crónica de Maria Francisca Gama
Há uns meses, em conversa com uma amiga, contou-me que tinha perguntado a uma colega, que recentemente tinha sido mãe do seu primeiro filho, se pretendia ter mais algum, ou se a sua experiência de maternidade ficaria por ali. Disse-lhe, com os olhos a brilhar - segundo me relatou -, que queria, pelo menos, ter mais um filho, para que quando fosse mais velha, e precisasse de alguém que cuidasse dela, os seus filhos repartissem entre si esse encargo.
Fiquei a pensar nisto durante algum tempo, e dei por mim com aquele sorriso que fazemos (tantas vezes pretensioso e desprovido de razão) quando julgamos ter descoberto qualquer coisa. Poucas coisas (das simples da vida) me faziam tanto sentido quanto aquela explicação.
A verdade é que, quando nascemos, frágeis e desprotegidos, é dada aos nossos pais a responsabilidade de cuidarem de nós, de nos alimentarem, de nos afastarem do perigo e de nos mostrarem a vida, que vemos através dos seus olhos, sem que qualquer um de nós pudesse sobreviver sem esse cuidado, em forma de roupa quente no inverno e de colo que adormece.
Os anos vão passando e, expectavelmente, vamos tornando-nos mais independentes, mais capazes e autónomos, e ao invés de percecionarmos o que nos rodeia através daquilo que os nossos pais temem ou ambicionam, passamos a ter uma visão crítica e pessoal sobre tudo. Já não precisamos que nos alimentem, que nos ajudem a movermo-nos entre os móveis da sala (tantas vezes protegidos nos seus vértices por pequenos engenhos de borracha), ou entre este Mundo fora e os outros que, numa certa fase da nossa adolescência, julgamos ainda poder descobrir, e sabemos que, ainda que os tenhamos presentes (e que bom que isso é!), já não existe uma relação de dependência, a que os nossos pais amavelmente nunca chamariam de encargo, mas que os obrigou, durante os anos da nossa infância, a dormirem menos, a preocuparem-se mais e a viverem em nossa função.
Eles envelhecem. O tempo corre que nem um atleta, entre a nossa adolescência, os nossos namoros, a faculdade e os desafios profissionais, e os nossos pais lá estão, na vida deles, sempre atentos àquilo que fazemos do dom que nos deram. E um dia eles podem precisar de nós. Podem precisar que os alimentemos, que os auxiliemos com os sacos das compras, ou simplesmente que lhes ensinemos (tantas vezes mais do que aquelas que a nossa paciência parece aguentar) a fazer a transição entre a aplicação da Netflix e os restantes canais da televisão.
E aí a vida dá a volta. E que voltas a vida dá! Passamos a ser nós a ter de os recordar de que têm de tomar a medicação regularmente (e sem birras, como as que fazíamos para beber o xarope, que sabia, sempre, e apesar de nos mentirem, muito mal!), que não devem abrir a porta sem terem a certeza de quem é, ou de que não podem abrir os links dos e-mails que dizem que ganharam um prémio chorudo, porque provavelmente é alguém a querer roubar-lhes os dados que têm no computador.
Provavelmente, nesta fase, já temos outra família, que criámos com o seu apoio, e estamos embrenhados numa vida atarefada, tantas vezes a queixarmo-nos de que não temos tempo para nada, e eles lá vão ficando, com a promessa de que os visitaremos, e nós com a ilusão de que eles não precisam assim tanto de nós, porque já viveram muitas coisas e encontrarão sempre uma solução.
Se tudo correr bem, vai chegar o dia em que será a nossa vez de cuidar. Que sejamos todos cuidadores e gratos por quem nos criou.
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