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Confinar à santo

Se vou aprender algo de novo na aula ou ficar orgulhosa da crónica é irrelevante, importa-me apenas estar constantemente sobre-estimulada para não me lembrar do mundo em que vivemos.

Crónica da Teresa Brito e Faro

Licenciatura em Direito pela FDUP


Há pouco mais de uma semana, cruzei-me com a história de vida de um padre jesuíta chinês, Domingos Tang. Um homem com uma enorme proximidade a Portugal, desde o tempo da sua formação, e que, pelo hediondo crime de ser cristão (não percam já a empatia pelo senhor), esteve preso durante 22 anos, 17 dos quais passados na solitária. O fascinante desta história é que D. Domingos, sem contacto com o exterior, nem Twitter, preservou a sua saúde mental durante todo este tempo.


Em 1981, quando foi libertado, revelou os segredos que o impediram de dar em doido entre quatro paredes, a viver o mesmo dia 6205 vezes. Perplexa com o privilégio de ter acesso a tal fonte de sabedoria, achei que poderia aproveitar para absorver e partilhar alguns conselhos dirigidos a quem, como eu, espera não voltar à faculdade até Abril.


Infelizmente, para todos nós, rapidamente percebi que Domingos Tang pouco tinha de “humano” e que as suas rotinas de oração revelavam uma espiritualidade à qual poucos ou nenhuns jovens universitários chegariam, ou sequer aspirariam, em dois meses de confinamento. Ainda assim - e embora recomende aos interessados que investiguem sobre a vida deste padre - não queria deixar os leitores desesperados sem a receita mágica para um lockdown de sonho (i.e. sem receitas de pão, nem vídeos de yoga). Por isso, deixo-vos com uma versão mais realista e atual da rotina que vai mudar a vossa vida.


As manhãs são sagradas

Antes de começarem o dia, é importante que reservem algum tempo para vocês próprios. Com aulas às 9h, recomendo que se levantem por volta das 8:58h. Deste modo, asseguram o tempo perfeito para se deslocarem até à cozinha e prepararem um café, enquanto equilibram o portátil e ligam o zoom com a outra mão. Aos insanos corajosos que atravessam a vida sem cafeína, parabéns, dou-vos mais dois minutos na cama – usem-nos para refletirem sobre as vossas escolhas.


Aulas online são aulas na mesma

Para aproveitamento máximo das aulas, deixem a câmara e o microfone desligados, façam refresh em todas as aplicações no vosso telemóvel várias vezes e, se estiverem bem-dispostos, não tenham medo de aprender uma nova dança no Tik Tok – multitasking é importante, especialmente se contribuir para combater o sedentarismo -. A título de exemplo, escrevo esta crónica enquanto alguém nos meus ouvidos fala sobre direito do ambiente. Se vou aprender algo de novo na aula ou ficar orgulhosa da crónica é irrelevante, importa-me apenas estar constantemente sobre-estimulada para não me lembrar do mundo em que vivemos.


Somos o que comemos

Refeições, enquanto momentos de estruturação do dia, são sobrevalorizadas. Estudos mostram que ter comida que nos dá imediata satisfação à distância de um braço é muito mais eficaz a prevenir fome e momentos em família. As conclusões são óbvias. Rodeiem-se daquilo que mais gostam e sejam felizes. Se chegarmos ao Verão, o chocolate não vai ser o motivo da vossa miséria, prometo. Para além disso, o que mais vai preencher o vazio que o croissant do bar da faculdade deixou no vosso coração?


Agradecer e preparar o novo dia

As noites são os melhores momentos para meditação e autorreflexão. A melhor maneira, para mim, de atingir este estado de paz de espírito, é sincronizar o momento de discussão sobre quem vai levantar a mesa com os episódios da minha nova série preferida, Big Brother, na TVI. Ainda não tive oportunidade de ler o que os críticos têm achado, mas, pessoalmente, os problemas do Bruno e da Joana fazem-me repensar o modo como eu própria encaro os desafios que a vida me coloca. Tudo deve ser posto em perspetiva.


O segredo está no mindset

Resumindo, se acreditarem mesmo que vão falhar e adotarem uma postura condizente, talvez se surpreendam pela positiva com pequenas vitórias. Não devem faltar motivos para se orgulharem de vocês próprios: desde aquele dia em que o tempo de ecrã passou de 6 para 5 horas e meia, à noite em que abriram uma lata de atum ao jantar, em vez do habitual leite com cereais. O segredo está em manter a fasquia onde não haja lugar para frustração de expectativas.


Antes de terminar, renovo o meu apelo aos mais ambiciosos: se o Padre Domingos aguentou 17 anos de solitária, talvez nós, ainda que comuns mortais de pouca profundidade espiritual, aguentemos mais uns meses disto – quer enquanto super-heróis da organização e do equilíbrio, quer enquanto pessoas que acordam todas as manhãs e conscientemente optam pela mediocridade.


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