Em 1996, Bill Gates escreveu um artigo preditivo do que acontece nos dias de hoje com o título “Content is King” (O Conteúdo é Rei), expressando que a maior fonte monetária que iria resultar dos avanços da internet seria a criação de conteúdo – seja informativo, como as notícias, uma ferramenta de trabalho, como um software, ou puro entretenimento.
de Beatriz Viana
Segundo Gates, todas as empresas teriam oportunidade de participar no desenvolvimento deste conceito e apropriar os seus benefícios de receitas, e quanto mais cedo, melhor.
De facto, avançando mais de 25 anos para o dia de hoje, percebemos que o conceito de conteúdo não só evoluiu, como assumiu novas formas, modelos de negócio, e, inclusive, novos papéis na sociedade, como a recente profissão de Criador de Conteúdos – jornais online, blogs, newsletters, plataformas de streaming, podcasts, canais de Youtube, Patreon, TikTok, etc. Hoje, mais do que nunca, não somos apenas aquilo que comemos. Somos o que consumimos.
A famosa plataforma de streaming Netflix anuncia pela primeira vez esta semana que perdeu subscritores, e que sentiu mais cancelamentos de subscrições do que novas contas, com uma perda líquida de 200,000 subscritores em todo o mundo, baixando a sua cotação no mercado quase em 40%. A empresa apresentou várias possíveis causas da situação, influenciada tanto por fatores externos como a inflação e a guerra na Ucrânia, mas também questões internas como a partilha de contrassenhas dos utilizadores. Há também a saturação do mercado do streaming, em que múltiplos canais concorrem e oferecem o mesmo tipo de conveniência.
O caso é que a concorrência da Netflix não é apenas as outras plataformas como HBO ou Disney +, mas sim todo o tipo de conteúdos, ou, indo ainda mais a fundo – tudo o que nos ocupe tempo.
Dado isto, uma questão que se pode colocar é: será que o erro pode estar no produto em si? Enquanto outras plataformas optaram por desenvolver ofertas de conteúdo como desporto ou notícias, a Netflix ficou-se pela licença ou produção de séries, filmes e documentários. A criação de um ecossistema Netflix pode ser uma solução para a captação e retenção de clientes, e a empresa já anunciou propostas para entrar no mundo do Gaming.
Por outro lado, podemos também refletir: que conteúdo queremos verdadeiramente consumir? Enquanto os subscritores desistem das suas contas Netflix, a rede social TikTok continua a aumentar o número de utilizadores e o tempo de cada utilizador dedicado à app. Os dados mais recentes indicam que cada utilizador no ano de 2021 passou, em média, 25.7 horas por mês vendo ou criando tiktoks o que supera as 7.9 horas passadas, no mesmo intervalo de tempo, no Instagram.
Será o segredo o algoritmo viciante? O facto de ser uma aplicação grátis? Ou alteraram-se as preferências, e o valor do curto, do instante e do vício do scroll? Poderá o TikTok ser o pior inimigo da Netflix?
Conteúdo, é, de facto, Rei. Mas assim como se alteram os reinados conforme passam os anos, os tipos de conteúdos que dominam também sofrem câmbios. Os primeiros sintomas de fragilidade da Netflix servem para percebermos a volatilidade e a exposição de todos os incumbentes de uma indústria, por mais sólidos que pareçam.
Haverá chave de ouro para prevenir a queda? Começará, talvez, por uma avaliação do mercado e das preferências do público-alvo. Para isso, é necessário alavancar a tecnologia ao dispor para diferenciar e personalizar: dados e padrões dos atuais consumidores, algoritmos de previsão de sucesso de um novo produto, seguir com a estratégia de customização em massa dentro da própria plataforma.
O objetivo da empresa será aumentar os custos de mudança e de cancelamento (ainda que sejam custos de oportunidade não monetários), modificando o conceito de subscrição de uma mera transação para se vir a tornar uma relação com o utilizador. E Inovar. E Inovar.
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