Por muitas medidas que se tomem e por “muitos estados de emergência que se decretem”, é imperativo que tenhamos consciência que enquanto cidadãos de plenos direitos e deveres cabe-nos agir em consciência, com a plena noção de que somos os primeiros agentes de proteção civil e de saúde pública
Texto de Gonçalo Ferreira
Estudante de pós-graduação em Direito das Sociedades na FDL
O estado de emergência nacional foi decretado esta quarta-feira depois da decisão do Conselho de Estado e a posterior aprovação no Parlamento (votos a favor do PS, PSD, CDS-PP, BE e PAN, abstenção do PCP, PEV, IL e da deputada não-inscrita Joacine Katar Moreira). Mas em que se consubstancia este estado de emergência e quais as suas consequências no que aos nossos direitos, liberdades e garantias diz respeito? Quem tem competência para a decretar e quais as suas consequências práticas no nosso quotidiano?
Introdutoriamente, importa ter em conta que esta figura encontra suporte na nossa Constituição da República Portuguesa (Lei Fundamental) no seu artigo 19º, sendo depois regulado (a par do estado de sitio – que é uma medida de maior gravidade que pode ser decretada nas mesmas circunstâncias) pela Lei nº 44/86.
Em termos de competência para o decretamento do estado de emergência diz-nos a nossa Constituição que essa competência pertence ao Presidente da República, depois de ouvido o Governo e de autorização da Assembleia da República, ou nos casos em que isso não seja possível, da sua comissão permanente com autorização posterior dessa mesma Assembleia. Isto de acordo com os artigos 134 d) e 138 ambos da Lei Fundamental.
Já no que concerne aos seus efeitos diz-nos também a Constituição da República, no já referido artigo 19, que o estado de emergência só pode ser declarado, no todo ou em parte do território nacional, entre outros, nos casos de calamidade pública e que apenas pode determinar a suspensão de alguns dos direitos, liberdades e garantias suscetíveis de serem suspensos.
Assim sendo, e tendo em conta o motivo pelo qual este mesmo estado poderá ser decretado (que é no caso a prevenção de contágios e da propagação do novo Coronavírus), o único direito que poderá e deverá ser limitado neste caso concreto será o direito à liberdade, com mais premência na sua vertente de liberdade de circulação. Ficam desta forma resguardados de qualquer restrição outros direitos, liberdades e garantias (fundamentais) tais como a liberdade de expressão, direito à vida, à integridade física, à identidade pessoal, etc.
Contudo, e mesmo tendo em conta os direitos que possam vir a ser concretamente afetados/restringidos, a constituição impõe que a “opção pelo estado de emergência, bem como as respetivas declaração e execução, devem respeitar o princípio da proporcionalidade e limitar-se, nomeadamente quanto às suas extensão e duração e aos meios utilizados, ao estritamente necessário (…), não podendo o estado declarado ter duração superior a quinze dias, (…) sem prejuízo de eventuais renovações, com salvaguarda dos mesmos limites.
Na prática as autoridades passam, entre outros poderes, a ter legitimidade para impor potestativamente o isolamento (vulgarmente conhecido como quarentena obrigatória), sendo que caso isso não seja cumprido, passa-se a incorrer em crime de desobediência, que pode pode ser sancionado com penas de até um ano de prisão. Este é o nível máximo de restrição que deverá ser imposto ao direito de liberdade de circulação neste contexto concreto.
Mas por muitas medidas que se tomem e por “muitos estados de emergência que se decretem”, é imperativo que tenhamos consciência que enquanto cidadãos de plenos direitos e deveres cabe-nos agir em consciência, com a plena noção de que somos os primeiros agentes de proteção civil e de saúde pública, cabendo às autoridades e instituições do Estado agir em nome da proteção e do superior interesse da nossa comunidade dentro dos limites legais e constituições próprios de um Estado de Direito como o nosso.
Pela Saúde de todos nós!
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