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COVID-19: Pandemia ou Pandemónio?

Atualizado: 19 de mar. de 2020

Se depois da tempestade, vier a bonança, que venha com a transformação das palmas em luta e apoio popular, a uma das maiores conquistas de Abril, o Serviço Nacional de Saúde

Ilustração de Francisco Almeida

Crónica de Tiago Fontez

Estudante de Direito na FDUL



Este não era para ser o tema desta crónica. Mas tal como aquele tipo que se cola a nós pedindo boleia quando estamos cheios de pressa, lá vai ter que ser.


Realmente, a figura do pendura aqui é mesmo bem empregue, não fôssemos nós os transportadores do indesejado e famigerado vírus. Digamos antes que nós estamos para o vírus como os transportes públicos estão para nós, e estes, por si, são para o vírus como um parque de diversões, e um parque de diversões para o vírus é como… um… uma… não interessa, penso que qualquer um já percebeu onde quero chegar e do que vou falar, a COVID-19.


Não, não tenciono alongar-me em dissertações sobre a especificidade do microrganismo acelular infeccioso, porque para isso existem os cientistas. E apesar de me custar a crer que o Calcitrin ou o Cogumelo do Tempo não sejam já suficientes para a erradicação de tal mal, não esperem ler por aqui uma milagrosa cura. Para isso vinha cá escrever o senhor Meireles da Mercearia lá do bairro, que por sua vez diz que o vírus a ele não o apanha, isto tendo em conta a sua receita matinal diária, dois copinhos de bagaço, ou então uma aguardente de zimbro. Efectivamente, também nunca vi o senhor Meireles queixar-se de nada, noto apenas uma ligeira ruborização da sua face e uma eterna felicidade, sendo que se assim é, deixai ser.


Mas vamos ao que interessa, aos acontecimentos fruto do despertar do vírus.


Para começar, O CRESCIMENTO DE CRENTES DAS TEORIAS DA CONSPIRAÇÃO. Para estes já sabemos que só eles conseguem ver o invisível. Desde a teoria de quem apregoa que a Terra é plana, à teoria de que somos Sims governados por um gamer superior. Já para não falar de quem afirma, com toda a convicção, que o ser humano nunca foi à Lua (mas nesta, por vezes, eu também acredito), e muitas outras. Com a pandemia actual, juntam-se agora mais algumas. Por exemplo, a teoria de que o vírus foi criado pelo governo chinês para este controlar a população, uma vez que somos muitos e o Mundo não chega para todos, muito menos a China chegaria para os chineses. A realidade conta uma história bem diferente desta teoria, uma vez que é um facto que todos os anos o governo chinês salva milhões da miséria. Tal como é um facto o apoio humanitário que China, a par de Venezuela e Cuba têm dado neste combate, ao contrário dos EUA que apenas se preocuparam em aliciar uma empresa alemã para ficar com a patente. Depois, também há sempre a teoria de que o vírus foi criado pela indústria farmacêutica. Os adeptos desta teoria afirmam que já existe uma vacina, mas ainda têm de morrer uns quantos para que a patente seja vendida a bom preço. Esta é apenas fruto de uma sociedade onde a vida humana é convertível numa prestação pecuniária. A história habituou-nos ao facto de medicamentos, vacinas, tratamentos não estarem ao dispor das populações, mas sim ao serviço da indústria farmacêutica, que tal como qualquer outra indústria tem que dar lucro e a partir daqui só este interessa. Se calhar se assim não fosse, tal desconfiança já não existiria, mas também, muito provavelmente, não chamaríamos a isto uma sociedade capitalista (olhem só, afinal o capitalismo não salva o mundo, pelo contrário, deixa-o morrer se não vir o lucro).


No seguimento disto, tivemos a PREOCUPAÇÃO DE ALGUNS SOBRE A APTIDÃO DO SERVIÇO NACIONAL DE SAÚDE (vulgo SNS). Não são aqueles alguns do costume, os que lutaram pela sua criação antes de 1979, e que desde aí se têm oposto ao seu subfinanciamento e aos ataques de que este é alvo. Falo daqueles que são, normalmente, os promotores do subfinanciamento do SNS e da entrega da saúde aos privados e a seguradoras. Aqueles que insistem que SNS é um sistema, devendo ser gerido como uma empresa. Meus caros, daqui vos mando uma saudação. Sejam muito bem-vindos! E que tal clarividência permaneça em vós durante longos tempos, resistindo aos vossos epítetos económicos.


EPIDEMIA HUMANITÁRIA OU EPIDEMIA ECONÓMICA? No meio do alarme geral e da luta pela sobrevivência, há sempre um conjunto de pessoas que leva as mãos à cabeça pela Sacro-Santa Economia. E neste turbilhão vemos de tudo, como trabalhadores que continuam a laborar. Não iria ser esta gripezita a parar a produção. Afinal de contas, o local do trabalhador (peço desculpa, COLABORADOR) é na empresa, e se vier o vírus – “Que se lixe!” – em primeiro lugar a Economia, em segundo a Ekonomia, e em terceiro a Eko-Numia. Aliás, toda a gente sabe que um zombie é mais produtivo que um humano em plenas condições. E para o patronato, o vírus combate-se à moda do Tio Patinhas, um mergulho numa piscina cheia de “verdinhas" e fica-se revigorado. Aos COLABORADORES dai uns tostões, para que estes continuem a sonhar.


Depois há ainda os que pedem intervenção governamental, revestindo-se, por sua vez, de uma forte e irresistível coerência, não fossem muitos destes pedintes economicamente apaixonados pelo liberalismo. E o Governo lá foi atrás, anunciando o corte de um terço do salário dos trabalhadores em situações de lay-off, bem como a fragilização da Segurança Social com a eliminação dos descontos patronais, e até a possibilidade de dispensa temporária de trabalhadores. Após os últimos anos, parece que há quem não tenha aprendido nada, como por exemplo, a lição de que uma Economia estável se faz com pessoas com poder de compra e criação de empregos, e não com milionários que concentram em si toda a riqueza.


Face a esta situação de clamor aos céus pelo Estado salvador, é caso para perguntar aos liberaizinhos onde anda a lógica do Estado ser paternalista? Onde andam estas teorias quando os Governos lhes injectam dinheiro? Onde está a mão invisível? Será que também foi infectada com a COVID-19?


Termino esta enumeração de factualidades com AS PALMAS À JANELA, não fossem estas aparecer sempre no final. Bom, relativamente a isto, poderia ser mauzinho e dizer que a produção de azeite subiu face à existência da quarentena. Mas com isso seria apenas irrealista e injusto. Em quarentena, ou isolamento profiláctico, sem podermos sair de casa, não há muito a fazer. E se calhar a inactividade física coloca em causa a inércia da massa cinzenta, chocalhando-a até dar luz. O ser humano tem que se entreter, tem que fazer algo. Se esse algo é homenagear os profissionais da saúde, que continuam na linha da frente deste combate, tudo bem, assim seja. Esperemos apenas que no final desta epidemia prevaleça a moral da necessidade de um serviço público de saúde. Se depois da tempestade, vier a bonança, que venha com a transformação das palmas em luta e apoio popular a uma das maiores conquistas de Abril, o Serviço Nacional de Saúde.


Finalizo esta crónica com o sentido social da época quando nos dirigimos ao público. Sejam conscientes. De nada vale juntar uns rolos de papel higiénico, máscaras, e álcool desinfectante, à prateleira que guarda os jerricãs de combustível, num passado recente acumulados. Não que esteja preocupado, pois o senhor Meireles continua com o armazém carregado. Contudo, nem todos têm a sorte de contar com um inusitado comerciante na rua onde vivem. E já agora, não sucumbam ao sol de Verão que trespassa as janelas das nossas casas. As praias até já foram interditadas. Por isso, e se a expressão quarentena, ou isolamento profiláctico, vos assusta, fiquem apenas num repouso caseiro CRÓNICO.


P.S. Um último apelo à solidariedade dos leitores, uma vez que as Marselfies e os beijinhos do Marcelo sucumbiram à peste.


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