top of page

Cronicamente mal, eternamente a arder

de Pedro Teixeira Brites


Esta semana, Portugal foi outra vez abalado por um número incontável de incêndios.


Digo esta semana, pois é desde há dias que deflagraram os maiores incêndios do ano, na região de Aveiro, Viseu, Porto e um pouco por todo a zona interior do Norte do país, numa fase em que já se falava do melhor ano da última década em relação ao número de incêndios. 


As imagens que chegam às televisões de muitos – os que têm sorte por não terem visto as labaredas ao vivo – são chocantes, como sempre são.

Choram velhos, choram novos, lacrimejando por tudo o que perderam. Cada lágrima é um pedaço de si que ficou nas suas casas ardidas, nos seus terrenos queimados. Os animais do mato fogem, freneticamente, por um lugar que não seja o inferno, acabando chorosos e chamuscados à beira de povoações humanas que nada têm que ver com os bichos.


Quem viaja de carro, arrisca-se a cruzar com estradas envoltas em paredes de fogo, dando a sensação a quem conduz de que não há como escapar – continuar em frente abre a porta a um choque contra labaredas e fumos, voltar para trás é um risco tremendo por causa dos condutores que lá vêm na mesma direção e pela fraca visibilidade que existe.


Os habitantes das zonas afetadas, enfileiram-se com baldes, mangueiras, trapos molhados e olhares sem vida. Juntam-se para lutar contra algo muito maior, muito mais mortal que um conjunto de baldes de água de um poço.

Juntam-se porque o apoio é muito escasso. Não há bombeiros suficientes, nem carros, nem mangueiras. O vento, as matas mal limpas, as extensas regiões de monoculturas, tudo pesa nas mãos calejadas de quem atira baldes de esperança para parar um fenómeno natural muito maior que qualquer sofrimento.


E o que mais custa, é o facto de vivermos isto ano sim, ano sim.

Mudam juntas de freguesia, mudam governos, mudam os responsáveis. O que não muda são as imagens do sofrimento atroz que vemos nas televisões, transmitidas com a cor laranja de fundo.


Depois da tragédia de Pedrogão que matou mais de 60 pessoas, depois de todos os erros que e incompetências reconhecidas, depois das visitas do presidente a quem já nada tinha, dos dinheiros desviados que estavam destinados às vítimas, das estradas não cortadas que levaram ao fim fatídico de tantos…depois de todas as promessas de melhoria, cá estamos outra vez.


Todos os anos ouvimos mil relatos de pessoas que fugiram de tudo o que tinham com medo da voz crepitante do fogo que tudo come.

Todos os anos ouvimos que a culpa é dos ventos e de alguma mão criminosa baseada em bêbedos, velhos e pessoas que gostam de ver tudo a arder: como disse Luís Ribeiro, jornalista ambiental há 25 anos, “Não são os “lobbies dos fogos”, são bêbados, indigentes, velhotes que se querem vingar do vizinho, putos que querem ver os camiões dos bombeiros” – todas estas explicações seriam cómicas, não fosse o caso tão grave. 


O problema não é o facto de Portugal ter mais hectares de eucaliptos que toda a Europa junta. Não é o facto de grandes empresas do mundo da pasta de papel lucrarem massivamente com estes desastres naturais.

O problema não são as mais de 120 ignições que ocorreram na noite da última terça-feira em pontos demasiado dispersos para não serem fruto de mão criminosa – é preciso muito bêbado e muito indigente, de facto, e bem treinados.


A culpa não é da carreira pouquíssimo atrativa dos Bombeiros, que dão a vida por pessoas que nem sabem o quanto lhes devem. 


A culpa é da mão pouco firme para com os incendiários (são cada vez mais nas prisões, mas fora delas, tudo arde de forma igual.

Enquanto a política florestal não se alterar, as monoculturas e os infinitos hectares de eucaliptos continuarão a ser alvos de incêndios de magnitudes indomáveis. 


E nós, a partir das nossas televisões, ou da janela de casa, iremos continuar a ver Portugal ser uma enorme fornalha que arde ano após ano. É como as cheias em Lisboa quando chove.


Sabemos que quando chover, vão acontecer. E sabemos que não vamos estar preparados para elas e inúmeras partes da cidade serão afetadas. Quando acontecerem, os responsáveis vão criam equipas – ou melhor, taskforces – e vai-se “apostar no knowhow” e “vão se apurar responsabilidades”. E no ano seguinte, acontece tudo de igual forma – só o léxico é que pode variar, consoante a idade do ministro ou do presidente da câmara. Com os incêndios, é igual. Tudo isto é uma inevitabilidade que nos acontece e para a qual nunca estamos prontos. E como Portugal continuará a ser um eucaliptal lucrativo para certas indústrias, continuará a arder, morrendo enrolado nas promessas que para o ano será diferente.

 

Comments


bottom of page