Apelidam-se de eruditos, mas não passam de leigos. Eis a ode à insipiência dos dias de hoje.
por Sofia Escária
Estudante no mestrado de Monetary and Financial Economics do ISEG
O projeto “Cultura para todos” foi um dos grandes vencedores a nível nacional do Orçamento Participativo de 2017, conhecendo a atribuição de 200 000€ para a sua implementação e execução ao longo de dezoito meses. A iniciativa destaca a relevância da cultura enquanto “pilar fundamental da educação, sentimento de pertença e de integração do indivíduo na sociedade”, introduzindo três medidas através das quais este investimento permitiria fomentar o envolvimento e interesse da população pela cultura.
Distingue-se, no âmbito das propostas elencadas, a possibilidade de todos os jovens no ano civil em que perfazem 18 anos acederem gratuitamente a museus, palácios, teatros e demais equipamentos culturais sob tutela do Governo. O sucesso inesperado desta resolução, patente na elevada adesão que conduziu ao aumento exponencial da utilização dos referidos espaços e serviços, encorajou o Ministério a mantê-la doravante, segundo indica o despacho emitido no início deste mês.
No entanto, o seu enaltecimento foi significativamente dissimulado e comedido, o que se revela incompreensível. Rejubila-se apenas moderadamente, exaltando, entre os pingos da chuva, a incapacidade de trazer o tema verdadeiramente à discussão ou de o colocar no centro da opinião pública.
Será um ano suficiente para manter este aparente interesse dos jovens? O que se segue? Porque não alargar aos estudantes, enquanto complemento do Ensino Superior? Apregoa-se a civilização, mas não se consome cultura.
Apelidam-se de eruditos, mas não passam de leigos. Eis a ode à insipiência dos dias de hoje.
A cultura é, na sua essência, a expressão e celebração mais nobre da arte. Desconstrói dogmas e preconceitos, preservando concomitantemente a evolução dos estigmas, enquanto espelho da passagem do tempo e da história da Humanidade. Infelizmente, Portugal continua a desaproveitar o potencial extraordinário de que dispõe para explorar a área e tudo o que dela advém, ignorando as referências internacionais que há muito se adiantaram nesta tendência.
Considere-se Londres e Dublin, o Museu Britânico e o Museu Nacional da Irlanda, as respetivas Galerias Nacionais e o Museu de História Natural, Tate Modern e Tate Britain, a Arte Moderna Irlandesa e a Ciência Londrina, entre muitos outros espaços. Visite-se o Museu Picasso e o de Arte Contemporânea de Barcelona, descubra-se o Louvre ou o Centro Pompidou em Paris, passeando ainda pelas Maison Balzac ou de Victor Hugo. Apreciem-se os Memoriais do Muro de Berlim e dos Judeus Mortos na Europa na Alemanha, conhecendo ainda a Topografia do Terror. Percamo-nos no Museu do Prado ou no Arqueológico Nacional de Madrid, conheçamos o homónimo de Atenas ou o Centro de Arquitetura em Amesterdão.
Desnorteemo-nos com os muitos mais casos que ficam por mencionar, dispersos por toda a Europa (e não só), que valorizam os jovens e os estudantes, dando-nos algum ânimo e uma ténue esperança de que melhores dias virão. Não podemos, contudo, aguardar passivamente e demitirmo-nos do nosso papel enquanto massa crítica da sociedade, devendo, pelo contrário, segurar firmemente esta convicção e munirmo-nos dela com unhas e dentes. Sim, nós jovens (é a vocês que me dirijo) somos preponderantes para o progresso material e civilizacional do nosso País, para o estabelecimento de um Estado mais justo, mais informado e interessado. Neste caso, essencialmente mais culto, e cuja proliferação da cultura não seja negada nem restringida a ninguém.
Pronunciemo-nos pela adoção de medidas semelhantes, com o típico atraso que a boa norma portuguesa obriga, e pela revogação da prática comum que gentilmente nos pede para penhorar bens ou doar órgãos. Afinal, de outra forma não será possível comportar os preços que derivam da instituição regular destes hábitos. É verdade, sai caro consumir cultura, e é esta realidade que temos de inverter.
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