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Cumprimentos, uma aluna que se quer licenciar


Crónica de Maria Madalena Freire

Licenciatura em Ciências da Comunicação, NOVA-FCSH e Zoom



Nada disto é fácil, nem concluir que não é fácil não é difícil. Já vos perdi? Sim, eu sei que a nossa concentração não se estende por muito tempo nos dias de hoje, mas aguentem comigo.


Quero, desde já, admitir que fui uma das muitas pessoas que foram à praia naquela quarta feira em que o sol, tentadoramente, decidiu aparecer. Logo no primeiro dia em que teria as aulas todas canceladas e como uma boa filha da modernidade, nem dei muito espaço e tempo para ponderar sequer a minha realidade e lancei-me às ondas do mar. Foi o culminar da minha interação social pré-quarentena. Porém, ao contrário do que rodou nas redes sociais, não fui para Carcavelos fazer de sardinha, deixo isso para o feriado de Sto. António - se calhar mais valia ter ido, já que este ano não vou poder queixar-me da enchente na Bica - fui para uma praia onde não se via vivalma. Todavia, não me desculpa, eu sei, eu própria não me desculpo pela completa mentalidade blasé que adoptei. A verdade é que nem me lembro de pensar sequer duas vezes sobre a minha ida à praia, nem sobre o facto das faculdades estarem a fechar, nem sobre a propagação exponencial na Europa. Como boa portuguesa, encolhi os ombros, embrulhei o farnel - croquetes que sobraram do jantar do dia anterior - e pensei “não há de chegar cá, nada chega a Portugal”.


O problema foi que interpretei o vírus como um americano autocentrado que nos confunde com Espanha ou até nos localiza em África. No entanto, vim a descobrir que o vírus pouco se interessa por geografia, o que é contraditório, já que parece viajado. Eu tenho é inveja dele, não paga bilhete, não tem de fazer malas, não tem de encafuar tudo o que é líquido num saco de plástico miserável, não tem de passar pela segurança que nos obriga a expor os líquidos encafuados no tal saco de plástico, não tem de impulsivamente comprar um café no Starbuck’s - que nem sequer aprecia assim tanto mas o aborrecimento leva a tal - não tem de esperar à porta de embarque, não tem que ficar com os ouvidos entupidos, não tem de levar com a sanduíche seca, nem com pernas dormentes, nem com nada de nada de nada. Gostaria de saber em que companhia aérea este magnata viaja e, aí, até podemos ser amigos.


Isto tudo para dizer: fui inconsciente e, especialmente, quando estou a poucos meses de me licenciar. Não sei que surto infantil assombrou a minha mente, mas, naquele dia, só queria mesmo era esparramar-me ao sol. Lembro-me, até, do vírus já monopolizar a conversa nas nossas toalhas que não cumpriam, de forma alguma, a distância social. Nomeadamente, lembro-me de uma das minhas amigas receber a notificação da decisão da OMS em declarar a Covid-19 pandemia mundial e no segundo a seguir pedir-lhe para passar-me o creme que já estava a sentir as costas a queimar. É um exercício divertido relembrar quem éramos antes da chapada de luva branca que levámos quando nos caiu a ficha. É, aliás, o passatempo preferido dos meus amigos: “Lembras-te quando disseste que Portugal não teria mais que 200 casos?” (risos irónicos) “E tu respondeste que isso era pouco, mas que não passava dos 400!” (risos sarcásticos que acabam numa expiração de desespero e loucura interior) . Pois, lembro-me, lembro-me, lembro-me, lembro-me, suspiro. É tudo o que tenho feito nestes dias. E depois de me lembrar? Desejo, desejo, desejo, desejo, suspiro.


O que vale é que o suspiro é constante e não sofre variações.


Falando em constante e variações, lembra-me o vocabulário matemático e empírico que se apoderou de mim e que desejo que vá embora. Não só me tornou obcecada por números, algo impensável há um mês, como me tornou fria na interpretação destes. Suspiro. Analiso gráficos, faço taxas, aposto resultados, leio artigos, penso no quão gosto da Graça Freitas, reflito sobre o SNS e os seus funcionários, lembro-me dos meus amigos, desejo por aqueles que ainda não vi. Suspiro. Volta sempre para o lembrar e para o desejar. Este enfado de ser português é cansativo e o que faço para o resolver? Ouço fado para ficar ainda mais sentimental. Fado que fala das ruas de Lisboa - nunca quis tanto estar no trânsito das seis da tarde, nas esplanadas das docas num domingo, nas ruas duvidosas do Bairro Alto numa sexta.


Nisto tudo, o trabalho universitário pesou-me como nunca me tinha pesado. Faz sentido que, numa faculdade tão preocupada com matéria sociais e humanas, se despreze o essencial com a carga enormíssima de trabalho que, literalmente, despejou no email dos seus discentes num contexto pandémico global? Não só isso, como há duas cadeiras cujos professores sumiram após o encerramento das instalações. Ora, para uma aluna que pretende licenciar-se este ano e que faz tenções de ingressar num mestrado, o mais tardar em Outubro (agora quem sabe, ninguém sabe de nada e nada sabe de ninguém - é um pensamento reconfortante, especialmente antes de adormecer, experimentem) este cenário, como devem imaginar, não é bom.


Percebo que as prioridades do governo e do país não sejam o meu diploma medíocre, mas quando falam em creches, escolas, exames nacionais, onde estão as preocupações com os universitários? Espanta-me o silêncio permanente sobre as instalações universitárias e é importante salientar que pertenço a instalações públicas. Relembrando, de novo, no tal dia da praia (que bom, dava a minha mesada toda - já que não tem servido para muito - para lá voltar) recebi no mínimo 7 emails contraditórios do Diretor e sub-diretora da NOVA-FCSH. Ora estava tudo como dantes, ora não havia atividades curriculares presenciais, ah não calma, afinal há mas não com mais de sessenta alunos, não, esperem, ninguém tem indicações para não dar aulas, mas por outro lado o meu professor mandou email a dizer que não ia comparecer. Cumprimentos, Diretor. Cumprimentos, Professor. Cumprimentos, Subdiretora, cumprimentos, cumprimentos, cumprimentos... Tantos cumprimentos. Será que ainda não sabem que estamos numa pandemia mundial que se propaga com cumprimentos? Será que estão estatelados na praia como eu? Que ousadia!


Pois bem, tenho muito mais a escrever sobre isto... qualquer pessoa tem. Estamos todos no mesmo barco, porém sem caminho para a Índia, para o Brasil, ou sei lá para onde foram com as naus. Não vale a pena evocar os tempos dos Descobrimentos, nem as guerras contra os espanhóis e os mouros, ou quando tínhamos metade do mundo nem quando ganhamos o euro (sim, está ao nível desses feitos históricos #EFoiOÉder). Estamos a navegar sem rumo, sem quadrante, sem bússola, sem mapa… Se calhar nem vela e remos temos. Pá, temos os números. Fazemos contas. Esperamos pela Graça todos os dias à hora de almoço. Trabalhinho aqui. Lavamos as mãos ali. Fazemos exercício. Discutimos com familiar. Choramos. Lavamos as mãos. Comemos. Desinfetamos puxadores. Lembramo-nos do antecedeu isto. Desejamos um futuro de normalidade. Suspiro. Suspiro.


Ah! Lembrei-me que tenho que enviar um email ao professor a desejar pela sua cadeira. Será que vai suspirar? Talvez, se mandar cumprimentos, corra bem.

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