de Francisco Lemos Araújo
Caro leitor,
A probabilidade de não nos conhecermos é elevada, mas deixe-me que me apresente brevemente. Sou parte de uma geração a que apelidam de “geração mais qualificada de sempre” e já que insistem em incluir-me nela tomo a liberdade de me dirigir a si enquanto seu membro.
Faço parte de uma geração que concluiu (ou está prestes a concluir) com sucesso o percurso académico “normal”. A grande maioria de nós acabou o secundário e somos cada vez mais os que completam o ensino superior, o que é positivo. É isso que nos permite entrar num mercado de trabalho cada vez mais competitivo, ter uma melhor progressão na carreira, receber melhores salários e, no fundo, atingir um nível de vida melhor do que o dos nossos pais. Pelo menos é essa a ideia.
Mas parece ser a única coisa que quem fala ou escreve sobre os jovens sabe dizer: temos boas habilitações académicas. De resto, somos mais ou menos invisíveis e quando aparecemos normalmente não é pelos melhores motivos e com uma boa dose de desconfiança à mistura.
Durante a pandemia, por exemplo, por altura dos confinamentos e avanços e recuos das medidas de contenção quase que nos culpavam pela pandemia não ter acabado. E lembra-se do receio generalizado que havia de não aderirmos à vacinação? Enfim…
Quando chega a hora de nos incluir em qualquer coisa, afastam-nos. Ora porque, ironicamente, não sabemos o suficiente, ora porque não temos experiência. Afinal sermos muitos a ter a melhores qualificações não chega. Mas agita-se esta bandeira na mesma, para dizer que estamos a evoluir.
No entanto, quando precisam de montar um painel para analisar qualquer assunto, onde estamos nós? Alguém com 45 anos (sem querer ofender) é considerado jovem e siga para bingo. Conseguem até analisar os impactos de políticas na nossa geração e o nosso futuro sem ninguém que pertença efetivamente a ela. Mas posso estar a ser injusto e peço desculpa por isso. Afinal de contas, a CNN tem o Sebastião Bugalho.
Continuamos a ouvir constantemente que não queremos saber de política, que não nos interessamos pelos problemas do país. Isto tudo quando 87% dos jovens dizem ter uma posição política definida e 53% declara votar em todas as eleições. Se verdadeiramente não quiséssemos saber nem nos dávamos ao trabalho de pensar, de nos posicionarmos e de ir votar.
Talvez a chave para chegar a nós passe por reconhecer que não temos seguido os meios tradicionais para nos expressarmos. Não deixa de ser curioso que apenas 5% de nós colabore com um partido político. E não acho que seja porque não acreditamos nos partidos em si, mas sim porque estes têm sido ineficazes em resolver os problemas que nos afetam.
Olhemos para o exemplo da educação, que tanto se usa. Estamos a melhorar claro, mas acha aceitável que praticamente metade dos jovens que desistem do ensino superior o faça por motivos económicos – por não ter dinheiro para continuar ou precisar de ir trabalhar para sustentar a família? Não consigo compreender que este seja mais um dado normal quando é reconhecido que é a educação que nos dá melhores perspetivas de subir na vida. Por isso, quando me falam em elevador social em Portugal, tenho muita dificuldade em perceber onde o veem.
Outra: 72% dos jovens ganham abaixo da remuneração média mensal base que é de 1.005,10€, sendo que mais de metade ganham menos de 767,00€. Se a renda de um T1 custar 600€ (e sabe tão bem quanto eu que estou a ser simpático), fica impossível seguirmos com a nossa vida. Não é por acaso que o motivo que mais se indica para justificar ainda vivermos em casa dos nossos pais e estarmos cada vez mais a adiar os nossos planos familiares seja a instabilidade económica.
Não estou aqui a dizer-lhe que tenho a resposta para estes problemas todos, antes pelo contrário. Até porque são transversais a todos, não me afetam só a mim. Ainda assim, faz-me confusão que haja tanta dificuldade em perguntar alguma coisa aos jovens. Há assim tão poucos a quem se reconheça a capacidade de ajudar a resolver alguns destes problemas? É que se se acredita mesmo nisso então deixemos de nos vangloriar com a geração mais qualificada de sempre porque, na verdade, ela não serve para muito.
Fico com a sensação de que falta conhecimento em relação à realidade em que vivemos e que o afastamento é demasiado. Sinto que falam de nós, mas esquecem-se de falar para nós. Nesta altura de eleições, confesso-me desiludido com a parca capacidade dos políticos em corrigirem isto.
Mas depois existe muita admiração e preocupação quando não nos conseguem reter em Portugal. Fala-se muito do aumento dos rendimentos, o que é naturalmente importantíssimo, mas uma boa parte do problema é a falta de valorização que se faz. Adoram que tenhamos estudado muito, que sejamos (aparentemente) muito bons, mas não acreditam nem confiam que podemos dar mais e queremos estar envolvidos.
Eu faço parte desta tal “geração mais qualificada de sempre”, mas acima de tudo faço parte de uma geração a que hoje se chama de “os jovens” e é essa que me interessa, porque não me obriga a olhar para currículos académicos.
Somos uma geração que, qualificada ou não, continuará a lutar por aquilo em que acredita, pelo nosso espaço, por fazer parte das decisões e por ser ouvida. Cada um de nós o fará à sua maneira, na esperança de que não tenhamos de deixar de o fazer por ter sido impossível continuar em Portugal.
Atentamente,
Jovem patologicamente inconformado
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