De Lourenço Magalhães
Quem me conhece sabe que o Sporting é uma parte importante da minha vida e, bem ou mal, mexe comigo. Não porque ganhamos muito, evidentemente, mas porque o futebol começou, para mim, na família.
Era um programa do meu pai e dos amigos. Admirava a tradição. Em dias de jogo em Alvalade não jantava, em dias de jogo fora a casa estava cheia, decorada por cachecóis nas prateleiras, cervejas no frio, uns petiscos na mesa e a obrigação de estar toda a gente equipada a rigor.
Interessei-me pelo programa e, por muito que fingisse, ainda não o percebia bem. Havia berros, alegria, tristeza e, se tudo corresse bem, um “GOLOOO” que ecoava pelos cantos da casa.
Os anos passaram e, sempre nas pegadas do meu pai, o programa tornou-se nosso. A primeira ida ao estádio, o primeiro cachecol da sorte, a primeira bifana, os primeiros conhecidos de bancada que se tornaram amigos, o primeiro golo, a primeira vitória, a primeira derrota, no fundo todas as emoções que o futebol traz.
Anos mais tarde, já mais velho, percebi que o programa não era nosso. Era de todos: dos meus irmãos, dos meus tios, dos meus primos, dos meus amigos, dos pais dos meus amigos (grande Afonso).
Na essência, de todos aqueles que em dia de jogo envergam o cachecol com a mesma garra do que nós. Que naquele dia se vestem de verde e branco a rigor, que cantam a deliciosa Marcha com a mesma euforia, tal como a cantei da primeira vez.
O Sporting tornou-se um bocadinho meu. Um refúgio que no final do dia era um espaço comum, que partilho com pessoas que gosto. Ganhei-lhe o gosto e comecei a fazer o esforço de viver a experiência da forma mais genuína possível.
Tornei-me habitual, jogos em casa, fora ou no estrangeiro e, com esta a recorrência, vieram as tradições (ou superstições) tão normais dos Sportinguistas - o meu lugar é meu e quem se senta ao meu lado é o meu pai.
Se algum de nós não puder ir, só convidamos amigos que dão sorte. Só entro pelo lado esquerdo das escadas. Por muita que seja a curiosidade, nunca ouvir nenhum relato de futebol na rádio. E, claro, agoirar é expressamente proibido.
Talvez sejam mais os momentos maus que bons, mas são inúmeros os que nos fizeram agarrar ao Sporting: o calcanhar do Xandão, os 0-5 na Supertaça, o 3-0 na luz, a morte na praia do Bernabéu, o mortífero levezinho, os 5-3 da taça, os autogolos do Polga, Onyewu o nosso capitão América.
Ri com as corridas de Capel, chorei no Bilbao, a mão pesada do Sá Pinto, as expressões do Paulo Bento e o sofrimento de ídolos de infância a venderem-se aos rivais. Todos estes momentos, entre muitos outros, criaram memórias. Momentos registados que guardo com carinho.
Há uns mais amargos que outros e, a 15 de Maio de 2018, todos os Sportinguistas sentiram o mesmo calafrio, a tristeza e a amargura do fundo, a sensação de um clube sem rumo, despedaçado por uma liderança que tentou fazer do Sporting aquilo que ele nunca foi. Um clube sem valores.
Um José de Alvalade sem “o Mundo Sabe Que” traduzido numa relação tóxica. Todos juntos provámos que o Sporting é nosso.
Soubemos dar a volta por cima com a vinda do Varandas. Não foi um amor à primeira vista - até porque nos sentíamos desconfiados.
Depois do presidente, a 4 de Março de 2020, numa cena própria de um filme, aparece o Rúben e os seus célebres momentos.
Em 2021 aparecem os putos. Rapidamente nos apercebemos que tínhamos uma equipa de renome mundial. O golo do Matheus contra o Braga, o 1-0 em Alvalade, as lágrimas do Essugo a reviravolta em Barcelos, a magia do Jovane em Leiria.
Ganhámos a estrelinha de campeão acompanhada do “Onde vai um vão todos” e uma equipa que só não eram os cinco violinos porque jogava a orquestra inteira.
Fomos campeões e fomos à loucura. Sentimos o Leão vivo e bem de saúde. Todos unidos, mais uma vez, com uma liderança que apostava nos valores do verdadeiro Sporting Clube de Portugal, que conseguiu construir um caminho tão certo em cima de linhas tão tortas. O covid tirou-nos o público e, para alguns, parte dos festejos. O que trouxe um asterisco a uma época de sonho.
No ano passado o quarto lugar e a ida direta para a Liga Europa voltou a apontar os dedos para Alvalade. Ouvimos “foi dos adeptos”, “Rúben não é experiente” e o habitual “Agora são mais 18 anos”.
Recomeça a época, está calor, voltar a Alvalade é um sonho e a sensação do início de época é inexplicável. Parecemos crianças antes da noite de Natal.
Os nervos regressam rapidamente e na primeira jornada arrancamos com uma vitória nos descontos. Não sei explicar. Alvalade pára por um segundo antes de explodir. A euforia voltou e o Paulinho mostrou os dentes de novo.
Começamos com os três pontos que era essencial. Empatamos com amargura em Braga, mas voltámos a ver o Pote a brilhar.
Contra o Farense vieram os arrepios até ao último minuto em que dois livres diretos deixaram-nos de garganta seca. Mas ganhámos a paixão nórdica.
Em casa, contra o Estrela, vimos Edwards a bailar numa vitória imprópria para cardíacos.
Fomos à Luz na 11a jornada viver um pesadelo que durou mais de uma semana, mas quase de imediato comprovou que unidos sabemos reagir e que em Alvalade mandamos nós.
O ano estava a terminar e a derrota em Guimarães veio ameaçar o primeiro lugar. Até que recebemos o melhor presente de Natal em Alvalade na vitória dos “4-0” ao Porto onde os pequenos leões lideraram.
Confirma-se! O Sporting era dominante e estávamos a jogar bom futebol. Isso bastava- nos.
Ganhámos em Portimão e entrámos em 2024 no nosso lugar. Recebemos o Braga que diziam destinado a outro empate, mas uma mão cheia de golos pareceram poucos especialmente depois da exibição do Trincão.
O empate com sabor a derrota em Vila do Conde, em que um culminar de azares e uma noite chuvosa nos roubaram pontos. Recebemos o Benfica num dos derby’s mais quentes que me lembro, onde assistimos à pérola de Moçambique e acompanhámos as suas lágrimas.
Vencemos o jogo em atraso (e o que esse atraso nos custou em anos de vida) e no fim assistimos ao milagre do Sueco no dragão, em que um minuto valeu por todos os quilómetros feitos.
A verdadeira magia do futebol. Provamos que o rugido do leão só acaba quando nós queremos.
Construímos todos um percurso, estivemos muitas vezes presos em dissabores e amarguras que só nós percebemos.
Pode-vos parecer estranho, mas garanto-vos que para um sportinguista é normal. Não queremos viver o Sporting de forma passageira ou leviana, como se de banal se tratasse.
Vivemos o Sporting intensamente, agradecidos por aqueles que nos representam tão bem. Somos feitos de um material raro. Desfrutamos tudo aquilo que temos direito e ultrapassamos os momentos de sofrimento que lhe são inerentes.
Há quem não perceba. Há quem nos chame de histéricos, e realmente o podemos ser. Características de quem ganha menos, mas que tem o coração na boca pelo Sporting.
Festejamos como ninguém, porque sabemos o quanto custa cá chegar. Valorizamos as vitórias como se não houvesse amanhã, porque para nós ganhar ainda não é corriqueiro.
Uma coisa é certa, esta época ninguém nos tira. Com alguma sorte à mistura, fomos superiores durante todo o campeonato. Quebrámos os nossos maiores medos e comprovamos a todos aquilo que é a família do leão, desde o presidente, ao treinador, à equipa técnica e aos nossos jogadores em quem acreditamos tanto. Uma época recheada de esforço, dedicação, devoção e, por fim, Glória.
Mas também repleta da construção dos valores e da cultura do Sporting. É nesse Sporting que nos revemos.
Parece um sonho que não tem fim - Campeões 2023/2024 - inevitavelmente de sofá.
Mas não se preocupem que eu sei que nenhum sportinguista é esquisito. Acaba por me ser muito difícil por em palavras os sentimentos todos. Muitos dias, noites, à chuva ao sol, em casa ou longe, berros, sorrisos, festejos tudo se resume a isto: àquele momento em que mais uma vez estamos juntos a celebrar o Sporting.
Infelizmente a euforia é tanta que mal paramos para usufruir. Tenho pena. Gostava de poder ficar preso no marquês para sempre com o meu Mágico Sporting.
Não sei o que vem ai, quem fica quem vai ... “Veremos” Eu com certeza, vou ver com orgulho até não conseguir mais o Meu Sporting Clube de Portugal.
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