A diferença salarial entre homens e mulheres, internacionalmente apelidada de gender pay gap, abrange a disparidade entre géneros do total de rendimentos auferidos desde a remuneração pela atividade profissional exercida ao trabalho independente.
de Sofia Escária
Este conceito foi introduzido pelo Fórum Económico Mundial em 2006 para melhor enquadrar as desigualdades com base no género, verificadas através de um Índice que incide sobre cerca de quatorze indicadores articulados a nível económico, educacional, político e de saúde.
Esta distinção tem uma amplitude significativa – a nível global a média é de 31,4%, apesar de 101 dos 149 países em análise terem conhecido ligeiras melhorias. No caso da média europeia, as mulheres auferem 14,1% menos por hora do que os homens e o hiato no âmbito da empregabilidade é de 11,7%.* Deduz-se assim que, as mulheres recebem cerca de 0,86€ por cada euro auferido por um homem, trabalhando quase dois meses gratuitamente quando comparado com o sexo oposto. A percentagem anual de ganhos torna-se necessariamente inferior, por oposição ao montante investido ou poupado. Em Portugal, a diferença é de 9,4%.
Existem diferentes fatores apontados pelos especialistas para justificar esta realidade. Por um lado, as mulheres possuem, tendencialmente, mais períodos de trabalho intermitente ou de menor carga horária, estando sobre representadas em regimes a tempo parcial, normalmente para conciliar com a prestação de apoio a familiares ou dependentes, o que acarreta penalizações.*
Esta questão é, inclusive, alvo de um estudo* mais aprofundado do Fundo Monetário Internacional (FMI), no qual os autores elencam que as mulheres sustêm desproporcionalmente o fardo do trabalho não remunerado, ou seja, a produção de valor e desempenho de tarefas ao qual não é atribuído uma compensação monetária, não sendo contemplado na atividade económica nacional. Em inúmeros países desenvolvidos, evidencia-se que a participação de mulheres no mercado laboral e, consequentemente, o seu trabalho remunerado, varia positivamente com o aumento da mercantilização do trabalho não remunerado ou da divisão do mesmo com os homens.
Apesar de se observar uma evolução neste sentido, a redistribuição não foi ainda suficientemente disseminada para elencar os benefícios da articulação entre a atividade doméstica e produtiva. Conclui-se que, em média, as mulheres despendem mais duas horas por dia do que os homens com trabalho não remunerado. Mesmo nos países mais equilibrados, esta diferença é de pelo menos 20%, incidindo essencialmente sobre tarefas domésticas.
No passado dia 3 de novembro, uma notícia do Público deu-nos a conhecer os resultados de um projeto acerca desta temática, sublinhando que apenas “15% da discrepância salarial se pode justificar com idade, antiguidade, regime de duração de trabalho, profissão, sector de atividade, nível de qualificação.” A investigação que decorreu deste projeto salienta, de igual modo, que a escolaridade contribui para atenuar a diferença, mas que o cerne da questão continua por explicar. Será discriminação, como sugerem?
Com efeito, a diferença salarial é frequentemente desvalorizada porque sublevam os estereótipos e os preconceitos que enviesam a discussão em virtude do conceito de igualdade salarial por trabalho de igual valor, vulgarmente apelidado de igualdade salarial, não ser verdadeiramente compreendido.
Por um lado, esta noção considera a equidade salarial, assente na justiça da remuneração de postos de trabalho idênticos ou da mesma relevância, ultrapassando, por outro, a mera alusão a trabalho igual, isto é, a atribuição de remuneração análoga a homens e mulheres com qualificações similares, que desempenham funções equiparáveis em condições equivalentes.
A definição mais ampla de trabalho de igual valor abrange funções de conteúdos distintos que envolvem incumbências e níveis de empenho diferentes, tal como habilitações ou competências assimétricas em contextos discrepantes que, contudo, são equiparáveis em termos de valor e, como tal, devem ser alvo da mesma remuneração.
Não podemos, nesse sentido, segregar por categorias profissionais ou ramos de atividade, mas pensar como um todo. No referido artigo, o Público concretiza que os setores nos quais “as mulheres estão sobre representadas (como a educação, o serviço social, a saúde, a prestação de cuidados, o atendimento ao público) tendem a praticar salários mais baixos”, por oposição a outros cuja prevalência masculina se destaca.
Ademais, nos diversos casos, a remuneração dos trabalhadores engloba não só o salário base que auferem como um conjunto alargado de elementos que podem ser pagos em dinheiro ou espécie, considerando o seu desempenho, desde prémios a lucros, gratificações, abonos, subsídios, entre outros emolumentos para os quais as avaliações (frequentemente penalizadoras e discriminatórias) são essenciais.
A explicitação destes termos é de particular relevância para compreender a realidade que reproduzem e as múltiplas divergências que nela estão imbuídas, quer de índole social como económica. Tendo conhecido uma crescente notoriedade nos últimos anos, apesar da sua discussão incidir sobre um fenómeno que não é recente nem traduz uma reivindicação inovadora, a sua parca prevalência continua, nos dias de hoje, a representar um dos principais entraves à verdadeira emancipação das mulheres.
A igualdade salarial constitui formalmente um direito universal desde 1946* e desde então patenteia claros benefícios associados à instituição de políticas globais de género que visam promover a igualdade e a não discriminação, com base na contínua adoção de legislação sobre a igualdade salarial de âmbito nacional, elementar para assegurar o seu pleno cumprimento e a previsão dos procedimentos e dos recursos para que este direito possa ser verdadeiramente aplicado.
A consciencialização das massas para a mudança de comportamentos e mentalidades exige a materialização de propostas ponderadas e responsáveis, jurídica, económica e socialmente enquadradas nas necessidades do momento e numa perspetiva de sustentabilidade a longo prazo. Mas começa fundamentalmente pelo nosso quotidiano e pela consciencialização do impacto que esta disparidade possui no afastamento do progresso civilizacional que devemos pretender alcançar.
* European Comission 2020 factsheet on the gender pay gap
* Igualdade Salarial - Um Guia Introdutório.
* Reducing and redistributing unpaid work - Stronger policies to support gender equality
* Artigo 23º Declaração Universal dos Direitos Humanos
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