Retirar a Santa Missa aos fiéis é uma decisão grave, porque não se trata apenas de uma medida de precaução sanitária: é um caminho em contraponto com toda a História da Igreja.
Crónica de Francisco Costal
Estudante de Medicina, NOVA Medical School
Senhor, a quem iremos? Tu tens palavras de vida eterna!
(Jo 6, 68)
A exclamação de São Pedro ecoa com uma força particular nestes dias em que nos falta tudo. Como viver sem o centro das nossas horas, sem o sentido dos nossos dias, sem o início e o fim do nosso mundo?
Esta é a pergunta fatídica com que muitos cristãos se vêem confrontados neste confinamento. Depois de quase 80 dias privados da celebração comunitária da Santa Missa entre Março e Maio de 2020, os fiéis católicos voltam a ficar afastados da mesma por período indefinido.
Aos nossos Bispos que, certamente em consciência, tomaram esta dura decisão devemos, acima de tudo, obediência e caridade. Ainda assim, urge questionar, como há 2000 anos, para onde vamos.
Para onde iremos quando, perante o escalar dos casos, se encara o encerramento do cume da vida cristã como algo inevitável?
Para onde iremos quando, afinal, tudo nos parece salvar – o confinamento, o álcool-gel, as máscaras e a vacina – menos Aquele que sempre conhecemos como Salvador: Jesus Cristo?
Para onde iremos quando, dentro das nossas igrejas, vão escasseando palavras de vida eterna, mas abundam ordens sanitárias, distâncias de segurança, medidas de higienização?
Na resposta a estes anseios, a Igreja Católica nunca hesitou na sua escolha porque, como sempre ensinou, o presente fica muito aquém da eternidade.
Foi por isso que, em criança, antes sequer de conhecer os fundamentos lógicos do Cristianismo, antes sequer de saber o que era a Fé, me apaixonaram as suas histórias: aventuras inimagináveis, personagens extraordinários, profecias e premonições maravilhosas. Todas concorrem para contar a grande odisseia de um Deus que ama o Homem e que nunca desistiu deste, apesar dos seus defeitos, contradições e negações. Foi esse Deus que no culminar dos tempos se fez Homem para salvar a humanidade.
Por essa razão, também me entusiasmaram as lendas dos homens e das mulheres que, sendo pecadores, acreditaram nesse Deus redentor com tanta força que não hesitaram em dar a vida por Ele.
Assim, apaixonei-me com as aventuras de Jorge, o único cavaleiro que não receou enfrentar o dragão; maravilhei-me com Joana d’Arc, a jovem francesa que era mais corajosa do que qualquer homem do seu tempo; e entusiasmei-me com Nuno Álvares Pereira, o valente cavaleiro que derrotou uma incontável armada com a força da sua inteligência e a bravura dos seus subordinados.
Depois, admirei Teresa de Calcutá e o seu amor inquebrável pelos últimos dos últimos; quis imitar o humor de Lourenço que, no meio do seu martírio pelo fogo, pediu para o assarem bem de ambos os lados; e emocionei-me com o altruísmo de Maximiliano Kolbe, que deu a sua vida para salvar outra.
Impossível esquecer, ainda, a confiança de Maria, a impetuosidade de Pedro, as viagens de Paulo, a tenacidade de Inácio, as fugas pelos Pirenéus de Josemaria.
Como estes, tantos outros: Estevão, Isabel, António, Francisco de Assis, Francisco Xavier, Francisco e Jacinta, Isabel, Jose Luís, Carlo, um mar de outros como nós, grande demais para nomear todos.
As suas vidas impressionam e atraem por nos recordarem daquilo que, por vezes, teimamos em esquecer: de nada vale ganhar o mundo inteiro se perdermos a vida eterna.
Além destas histórias de amor até ao fim, a Igreja Católica sempre se destacou como refúgio dos últimos, auxílio dos aflitos e cuidadora dos doentes. Não poderia ser de outra forma, já que Cristo sempre teve uma especial predilecção pelos pequenos e pelos pobres em espírito.
Assim, como podemos aceitar que a Eucaristia, alimento último dos famintos, esteja vedada quando estes mais precisam? Como pode a Igreja viver sem os pobres e oprimidos – aqueles que são, em última análise, o Seu maior tesouro?
Retirar a Santa Missa aos fiéis é uma decisão grave, porque não se trata apenas de uma medida de precaução sanitária: é um caminho em contraponto com toda a História da Igreja. Precisamos da Missa pois, para nós, menores e fracos, é o centro da existência e o Sol sem o qual a vida cessa. Queremos a Missa, porque olhamos para todos os santos e santas e sabemos que só podemos ambicionar ser como eles se não nos faltar a Comunhão com o Corpo e Sangue de Jesus Cristo.
Para onde iremos? A verdade é que, chegado ao fim destes parágrafos, não encontro respostas fáceis. À falta destas, resta-nos enfrentar estes dias de caminhada no deserto com a confiança de que somos queridos e amados por Deus. Afinal, foi nas areias do deserto que o povo de Israel experimentou a solidão; mas também a união íntima com o seu Senhor, que o cuidou e alimentou.
Para onde iremos? Unidos à Igreja, Corpo Místico de Cristo, só nos sobra a crença do salmista de que O Senhor é meu Pastor, nada me faltará. Agarrados à Cruz de Cristo, ultrapassaremos esta luta áspera com a crença de que no final da noite brilhará a luz.
Para onde iremos? Só a Ti, Jesus. No fim de contas, mesmo quando tudo falta, só Tu tens palavras de vida eterna.
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