O Ensino Superior não aprendeu nada com esta pandemia. O combate a uma pandemia requer solidariedade - e a solidariedade não está no ADN do nosso sistema de ensino.
por João Moreira da Silva
Há pouco menos de um ano, escrevi sobre o primeiro impacto da Covid-19 nos estudantes do Ensino Superior. Infelizmente, os problemas que levantei em abril de 2020 mantêm-se absurdamente atuais: o desigual acesso de todos os estudantes às aulas à distância; o preço insustentável do alojamento estudantil; o precário apoio à saúde mental; a existência de propinas. Pelo meio destes 11 meses que passaram, surgiram muitos outros problemas: desde a fraca resposta dos serviços de ação social das universidades no auxílio a alunos infetados ou em isolamento, à imposição do adiamento de exames em nome do “rigor académico.”
O Ensino Superior não aprendeu nada com esta pandemia. O combate a uma pandemia requer solidariedade - e a solidariedade não está no ADN do nosso sistema de ensino.
O nosso sistema de ensino foi criado a partir da ideia de “educação como desenvolvimento individual da pessoa”. Este entendimento original e individualista do ensino talvez não fosse, em si, maligno. Mas, uma vez levado ao extremo, trouxe consigo efeitos perigosos: uma competitividade extrema; uma obsessão com a ideia de rigor e disciplina na academia; um distanciamento da realidade por todos os estudantes, cegos pelo seu próprio trabalho. O trabalho em comunidade foi deixado de lado em prol do sucesso individual - a solidariedade ficou progressivamente excluída da equação.
Direito, Medicina, Engenharia, Gestão e tantos outros cursos - talvez todos - são o reflexo perfeito de um sistema de ensino obcecado por esta avaliação individual. A lógica do “cada um por si” é dominante. Aos poucos, fomo-nos esquecendo de que um sistema unicamente baseado em exames e notas individuais é um sistema frágil: a educação é complexa e tem várias nuances, enquanto que as notas são simples e arbitrárias. Quando perdemos esta noção, a educação passa a ser um processo mecânico, enquanto que a aprendizagem de facto é relegada para segundo plano.
Perante este cenário, deparamo-nos com um universo do Ensino Superior que está pouco preparado para a vida em comunidade. Foi precisamente isso que senti quando, há 4 meses, escrevi sobre os estudantes deixados para trás nesta pandemia que vivemos. Enquanto cada um de nós, estudantes, está totalmente focado na sua nota final ou na sua entrega de trabalho, desligamos para todos aqueles que nos rodeiam - física ou virtualmente. Se o sentimento de comunidade já era frágil antes da pandemia, agora desapareceu quase totalmente. A relação professor-aluno é cada vez mais impessoal. Os trabalhos em grupo e inovações no ensino são olhados com desdém. A maior preocupação das instituições é que o prestígio da universidade se mantenha, custe o que custar.
Esta obsessão com o rigor académico, com o prestígio, com o sucesso individual cegou-nos a todos. Agora, acordamos com os títulos das notícias que nos invadem o feed das redes sociais diariamente: “Ansiedade, exaustão e disciplina: um auto-retrato da vida académica em casa”; “Ministério do Ensino Superior recomenda atenção à saúde mental de alunos”; “Níveis muito alarmantes de desmotivação e ansiedade preocupam estudantes”; “Estudantes universitários sentem a saúde mental afetada pelo confinamento”; “A geração privada da vida académica e que teme o desemprego depois do curso.” É evidente que o sistema de ensino do individualismo exacerbado começou a colher os frutos do “cada um por si.”
Ser estudante universitário é um privilégio, uma vez que ainda somos uma minoria - menos de metade dos jovens portugueses frequentam o Ensino Superior. Por isso, é fundamental que utilizemos esta posição de privilégio para apresentar reformas para um sistema de ensino apodrecido. Está na altura de romper com o desadequado sistema hierárquico de avaliações baseado em exames no final do semestre. Promovamos os trabalhos em grupo, a entreajuda entre estudantes e professores. Lembremo-nos: o objetivo de um estudante passa por aprender, não por ser avaliado sozinho.
Um sistema de ensino puramente individualista afasta-nos da nossa condição humana, uma vez que renega toda a ideia de vivermos em comunidade. Se não são os órgãos superiores - as instituições e o Ministério do Ensino Superior - a colmatar estas falhas, teremos de ser nós a ajudar-nos uns aos outros. Neste dia do Estudante, lutemos por um Ensino Superior mais solidário, para todas e todos os estudantes.
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