Já passaram cerca de duas semanas desde a noite em que Portugal se pintou de cor-de-rosa, mas não podia deixar de escrever sobre as últimas eleições legislativas, que resultaram numa maioria absoluta para o Partido Socialista. A segunda maioria absoluta da história deste partido e, talvez, a mais improvável e importante da nossa democracia, até à data.
de Enzo Santos
Direitos Pedro Rocha (Global Imagens)
1. Enquanto muitos comentadores se esforçavam por tentar adivinhar os resultados destas eleições – vaticinavam o fim de ciclo para António Costa e profetizavam um regresso de uma direita refrescada e liderada por Rui Rio –, eu não acreditava, tal como grande parte dos portugueses, que o PS conseguisse vencer estas eleições com maioria absoluta. Ainda para mais depois da debilitada campanha eleitoral que António Costa protagonizou, fazendo tudo e o contrário daquilo que os livros mandam: mudar (drasticamente) de estratégia a meio de uma campanha eleitoral.
Começou por pedir uma maioria absoluta ousada, dinamitando todas as pontes de diálogo à sua esquerda e acabou a admitir que podia conversar com os seus antigos parceiros e outros partidos da esquerda. Não foi necessário. Porque se é verdade que essa mudança de estratégia foi um erro que poderia ter saído muito caro a António Costa, também é verdade que este político-nato teve muito sucesso a assustar o eleitorado usando a extrema-direita como arma de arremesso.
O crescimento da extrema-direita é um perigo real com que a direita tradicional não tem sabido lidar, e o PS conseguiu usar isso a seu favor para colher votos à esquerda. A incerteza criada pela direita que, em caso de vitória, poderia procurar entendimentos com o Chega, e as sondagens que davam uma distância mínima entre os dois maiores partidos, beneficiaram o PS e permitiram que este conseguisse secar grande parte do voto útil à sua esquerda. E assim, tudo o PS levou.
2. Enquanto a direita tem concentrado esforços em gritar e tentar diabolizar o “socialismo que domina Portugal”, o PS focou-se e beneficiou de um perigo real: o crescimento da extrema-direita preconizada pelo Chega. Um fenómeno que a direita, ou por incompetência ou por conveniência, tem tido tanta dificuldade em travar.
Estamos todos familiarizados com o fenómeno de erosão das palavras. Quando usadas como se fossem vírgulas, palavras com um significado forte vão perdendo a sua força: perde-se o impacto que causam quando usadas e quando são realmente necessárias. Se gritarmos várias vezes que há um incêndio sem que ele exista de facto, quando realmente se der o incêndio, ninguém acreditará em nós.
A direita anda a gritar incêndio há muito tempo sem que realmente haja sinais dele. Parece ainda não ter aprendido essa lição tão básica, mas não só. A direita, que não se endireita, não tem sabido estar na política no campo das ideias, das soluções consistentes e não tem conseguido criar uma barreira à extrema-direita. Fazem do “socialismo” um bicho papão, como se isso fosse uma ameaça real a Portugal e usam o termo como se fosse uma vírgula. “Temos de acabar com o socialismo em Portugal”, “Os portugueses estão cansados do socialismo”, foram alguns dos slogans que tanto ouvimos durante a campanha eleitoral. Para a direita, que não se endireita, querer combater “o socialismo que governa Portugal” tornou-se um modo de estar na política, em vez de liderar uma oposição responsável. De tal forma que, para alguns, uma maioria absoluta do PS parece causar mais espanto e desdém do que o crescimento do Chega – há que rever prioridades.
A direita repete entusiasticamente que o país está farto, fartinho, cansado do “socialismo”, mas ainda assim os portugueses responderam com uma maioria absoluta do PS. Esta maioria vem confirmar uma velha máxima. O povo, com medo de crises e da indefinição política, vota naquilo que conhece. Tem receio de grandes mudanças e do desconhecido. Vota seguro. E assim, tudo o PS levou.
3. O que realmente ameaça Portugal é uma incapacidade de quem nos governa de conseguir proporcionar ao país um desenvolvimento económico e estabilidade consistentes que respondam às necessidades da população e de todos os setores.
O verdadeiro perigo é uma má gestão dos rumos do país e uma má gestão dos fundos europeus nos próximos quatros anos – tão importantes para o nosso desenvolvimento. A verdadeira ameaça a Portugal é uma miopia política que parece assolar os nossos governantes, que demonstram ser incapazes de ver e pensar no futuro como parte da estratégia a longo prazo. Os próximos quatro anos serão de extrema importância. São uma oportunidade de ouro para desenvolver Portugal.
Mas, para isso, é também necessária uma oposição forte para controlar possíveis abusos de poder por parte do PS. A esquerda tem de repensar a sua estratégia, recuperar força e eleitorado. Tem de mostrar mais sentido de responsabilidade. A direita, diga-se, PSD, tem de fazer uma reorganização de fundo, reaprender o conceito de oposição e não se deixar ultrapassar pela direita. O CDS já pagou bem caro por isso. O povo quer estabilidade, desenvolvimento económico, e previsibilidade – saber com o que contar por parte da classe política.
Os sinais de irresponsabilidade da esquerda, diga-se, PCP e BE, e a incapacidade da direita de chegar ao eleitorado de forma organizada, levaram os portugueses a entregar o seu voto ao Partido Socialista, dando um voto de confiança absoluta a António Costa para os próximos quatro anos. Depois de uma gestão pandémica que causou um inevitável desgaste no Governo e uma campanha que ficou longe de ser a ideal, o PS conseguiu ser o grande vencedor da noite de 30 de Janeiro, também por demérito dos restantes partidos. E assim, tudo o PS levou.
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