De Maria Miguel Simões
Em véspera de eleições para o Parlamento Europeu (que, nesta altura, já vos poupo
mais uma explicação do que temos e para que serve o que vamos fazer no próximo dia
9 de junho), numa campanha nacional enfadonha, fraca e preguiçosa, dou por mim
mais atenta ao que se passa lá fora com a direita, mais precisamente com a radical.
Se em Portugal a nossa direita radical está restrita a um só partido, pouco original e com agendas mastigadas trazidas dos seus aliados europeus, no resto da Europa a diversidade apresenta opções mais densas, preocupantes, ideológicas ou simplesmente mais conservadoras (esse critério deixo para o leitor).
Na própria União Europeia, podemos encontrar duas famílias de direita para os que querem escapar ao PPE: o Identidade e Democracia (ID) e o Reformistas e Conservadores Europeus
(ECR).
Confrontados já com uma possível fusão, negada pelo co-presidente do ECR Nicola Procaccini, estes dois grupos mantêm-se singulares, embora partilhem visões ou bandeiras para questões como imigração e fronteiras, defesa, rejeição de federalismos e progressismos sociais, ou nas prioridades que o combate às alterações climáticas deve ter.
De forma institucional, o ECR tende a ser mais bem aceite (inclusive Von der Leyen não recusou um debate colaborativo sobre a sua reeleição com este grupo), mas não deixam de ser a casa de partidos radicais e até extremistas como o VOX ou o Reconquête, cujas posições nacionais sobre vários temas não podem ser apenas vistas como uma alternativa ao centro-direita dos seus países, mas sim como uma radicalização clara do debate político.
Contudo, há diferenças nestes dois grupos; as suas visões sobre o futuro alargamento
da União Europeia são uma delas, onde o ID se apresenta contra, justificando que a UE se deve focar nos seus atuais estados-membros, entrando também com questões financeiras e de migração, e o ECR o acolhe de forma favorável.
Na economia, vemos muitas vezes o ID adotar visões mais intervencionistas e protecionistas, já o ECR vai por um caminho mais liberal e pró-mercado.
Também a forma como lidam com as instituições e o envolvimento nos trabalhos dentro dos órgãos da União Europeia difere, uma vez que os Reformistas procuram uma via participativa e presente, dentro das suas reservas face aos valores mais progressistas e federalistas europeus, enquanto o lado do Identidade e Democracia não procura essa participação (ou pelo menos de forma alguma construtiva).
Não só para fora há diferenças; internamente, estas “famílias” debatem-se entre visões conservadoras ortodoxas e visões radicais mais conflituosas.
A questão das relações dos estados-membros e respetivos partidos com a Rússia ou com a China (que também poderia estar num ponto de discordância contra o ID), a forma como se lidou com a pandemia ou a relação com os Estados Unidos são temas que os dividem internamente.
Posto isto, serão essas divisões o suficiente para perderem força?
O que os dados nos dizem não sustenta isso. O European Council on Foreign Relations publicou uma sondagem preocupante para quem teme uma instalação confortável de radicalismo à direita no novo Parlamento Europeu:
“As forças de direita radical e extrema-direita deverão conquistar entre 183 e 197 dos 720 lugares de eurodeputado na próxima legislatura, um resultado histórico que lhes assegura uma representação de 25%, suficiente para romper os consensos necessários para a distribuição dos cargos de topo das instituições comunitárias e a aprovação de legislação”.
Há projeções que dão aos dois grupos, no total, entre 30 a 50 lugares a mais, passando de 18% para até 25%.
Esta nova configuração não será novidade para os mais atentos às políticas nacionais dos estados-membros restantes, onde os partidos de centro-direita estão a perder pujança e partidos radicais estão a entrar em arcos de governação.
Mas por que falha o centro à direita?
Há inúmeros motivos que justificam este cansaço e falta de credibilidade ao centro (embora ele continue a predominar) para estes eleitores europeus: não se reveem em políticas de causas sociais que o centro-direita teve de abraçar para conseguir negociar com o centro-esquerda e que também apareceram por avanços orgânicos das próprias sociedades modernas.
Sentem-se, também, lesados com políticas coletivas de imigração, não se sentem europeus e escolhem partidos que ataquem diretamente a UE. Mais, não percebem o seu funcionamento e necessidade, a sua qualidade de vida degradou-se em estagnação de salários, emprego e competitividade.
A esquerda ficou também mais combativa e sectária, de modo que o debate coloca sempre o eleitor em extremos.
O medo e o ressentimento da crise de 2009, que ainda vive muito presente, a forma como a pandemia foi gerida, o desgaste do apoio à Ucrânia e, claro, a saída do Reino Unido, que impulsionou ainda mais uma falsa sensação da inutilidade da União Europeia para um país, podem explicar.
E embora todas estas questões possam estar presentes em outras famílias ou partidos,
o fator populista da direita radical/extremista impulsiona e inflama a ideia de que vivemos numa guerra constante contra qualquer coisa e cria nestes eleitores a ânsia e a necessidade de procurar segurança e paternalismo contra um perigo iminente.
Olhando para este panorama, admito que à direita possa haver uma tentação de voto num destes partidos.
Não nego que algumas das suas bandeiras sejam temas de relevo que devam ser mais debatidos e que foram abandonados pelo centro-direita. Assumo também que uma necessidade de foco governativo, administrativo e o pragmatismo associados fizeram com que esse mesmo centro tivesse perdido um caráter ideológico, personalista e presente na alma do espírito da direita.
Algures neste processo, entre a Crise da Dívida Pública da Zona Euro, Brexit e Covid, a direita democrática perdeu-se e não percebeu que os tempos mudaram e não voltarão a ser
os mesmos sem reformas dolorosas, impopulares e pedidas por muitos europeus.
Os tempos também são desafiantes: uma guerra declarada em território europeu com
grande destaque, uma crise climática, concorrência económica muito mais emergente e menos dentro dos valores negociais europeus, uns Estados Unidos a querer soltar a nossa mão, os setores energéticos e da defesa a precisarem de investimento, novas dinâmicas sociológicas, o surgimento da era da Inteligência Artificial e a mudança industrial são algumas das vastíssimas e profundas realidades e mudanças que estamos a passar atualmente.
Mas estas incertezas, com um centro por se reinventar e dar o salto, não podem justificar todo o euroceticismo, as ligações claras com ativos tóxicos como Rússia e China, o discurso xenófobo e pouco humanista em matérias de asilo, imigração e refugiados, a degradação de informação através das fake news e dos novos meios que a IA veio trazer, o afastamento de apoio à Ucrânia ou a preocupação com temas públicos europeus como uma política comum para a saúde onde se tomem decisões científicas e seguras em casos como futuras pandemias, o impedimento de acesso ao aborto e uma violação do direito e da emancipação das mulheres, que os grupos ID e ECR trazem na sua bagagem.
Qualquer democrata de direita, humanista, mais conservador ou liberal, que queira manifestar o seu voto nestas eleições europeias irá ter a tarefa de se entregar às certezas do trabalho anterior feito pelos rostos e pelas políticas do PPE, ou à inexperiência e ao sentimento de divisão e desconfiança que as direitas radicais querem trazer para cima da mesa camufladas de preocupação e da nova reencarnação fraca de Charles de Gaulle.
Para mim, a escolha parece-me clara: a União Europeia vai endireitar-se, mas não se pode perder.
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