Se um dia te perguntarem o que não gostas, saberás dizer três coisas. Muesli com passas, Frida Kahlo e crianças a cantar fado. Estas são as minhas três. E, ainda, maioria socialista, mas dessa lembro-me todos os dias e assim deixam de ser três, que foi a conta que deus fez. Se porventura te perguntarem o que gostas, três coisas também poderão ser ditas. Que difícil é dizer-se apenas três coisas de que se gosta.
de Joana Garrido Amorim
Hoje, lembro-me de festas da terra, tâmaras Medjool e Patti Smith. Amanhã, lembrar-me-ei de outras e por aí adiante.
Festas da terra em memórias. De alcance rápido, pouco expressivas e distantes, memórias. Festas da Agonia, Feiras Novas, São João D’Arga. Virei o trapstar do Minho, os meus pais chamam-me rei. Se me encostar na cadeira onde escrevo, inclinar-me para trás e ir em busca de memórias, o que vejo?
Vejo-me junto ao rio Lima num domingo à noite, com tantas outras pessoas à espera que seja segunda-feira, numa noite quente e sem vento.
Há colunas penduradas nos postes que cantam - Carlos do Carmo, em que Existe a noite // O riso e a voz refeita à luz do dia // A festa da Senhora da Agonia // E o cansaço. É a serenata. Há barcos no rio cheios de artilharia que trazem sorrisos quentes e apaixonam. Durante longos minutos, de todas as cores, no ar. Há conforto e carinho. Inclino-me para escrever. Volto à busca por memórias.
Vejo-me de castanholas na mão, de lenço à cinta, rodeada de concertinas e pandeiretas. Estou nas Feiras Novas.
Na rua que vai ter ao Largo de Camões, por cima. Chamam-me para dançar o 1,2,3. É o grupo folclórico de Santa Marta: viram para a esquerda, para a direita, cruzam os braços, passam-nos por trás, voltam à frente, entrelaçam, enrolam, desenrolam, virou! Quem não sabe, rapidamente aprende, entra no ritmo e quer mais uma, mais uma e mais outra. Começa a faltar o fôlego, mas não se para - estás a dançar em grupo, não podes largar. Entrelaça, passa por trás, roda, vira: 1,2,3. Ficas a suar, acabas com um sorriso de satisfação e parabenizas os que contigo dançaram. Mais uma? Virou! Inclino-me para escrever. Volto à busca por memórias.
Em São João D’Arga, no final do mês de agosto. Veem-se as luzes dos carros ao longe entre o arvoredo do monte. Estou no meio de uma roda, com pai Cachadinha e filho.
Ambos de concertina na mão, chapéu à Augusto Canário e bandeira de Portugal na camisola, cantam à desgarrada. Pelos vistos está na moda // aquilo que o traz aqui // rachar a cabeça ao meio é praga que anda para aí // também tenho um lanho na cabeça // desde o dia em que nasci. Acompanho de tigela de vinho tinto verde na mão, os versos perdidos destes cantares ao desafio. Após cada quadra, grita-se de animação tanto mais quanto mais bruto for o último verso. Há uns que, de tanta euforia, tentam entrar nos versos, mas falta-lhes a voz e o tom, porque isto não dá para todos: é preciso puxar lá do fundo e ir muito até lá acima.
As tâmaras são de fácil alcance, num supermercado, ou numa ervanária. A Patti Smith também é fácil de se ouvir, a caminho de qualquer lado. As festas da terra são mais difíceis. As memórias estão por cá, bonitas e arranjadas, porém, precisam de vir como dantes, sentidas e vividas. Creiamos que em breve. Sim, muito em breve, mesmo. Por enquanto, satisfaçam-se outros três desejos, e assim por diante, fáceis e imediatos.
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