“Conan”, o talk show de Conan O’Brien terminou. Para trás ficam 28 anos no ponto perfeito entre o esperto e o estúpido.
Crónica de Guilherme Ludovice
Revisitei o primeiro episódio de um talk show apresentado por Conan O’Brien, “Late Night With Conan O’Brien”, disponível no canal de YouTube da Team Coco. As primeiras cenas do episódio mostram-nos Conan a andar confiante pelas ruas de Nova Iorque em direção ao set do programa. Pelo caminho é interpelado por toda a gente (desde as crianças a um cavalo) que o relembram da pressão que este deve sentir para ser tão bom como Letterman neste primeiro programa. Perante estes lembretes, o apresentador mostra-se confiante, sorrindo não se mostrando minimamente incomodado. Chegado finalmente ao seu camarim, enquanto assobia alegremente, pendura uma corda para se enforcar. A última imagem da abertura é da sombra da forca na porta do camarim de Conan.
Antes da sua carreira como host num talk show, O’Brien escreveu para programas basilares da comédia americana como o “Saturday Night Live” ou os “Simpsons”, mas mesmo assim, a sua falta de experiência fez com que fosse, na altura, uma aposta extremamente arriscada.
28 anos depois podemos dizer com certeza que foi uma aposta bem conseguida. A comédia foi sempre o centro de todos os programas. Em vez de se basear em forçar momentos virais com celebridades ou no humor político, Conan vira-se para si e para a sua equipa, que têm um carisma mais do que suficiente para encher as medidas. O programa, ao dar destaque merecido a Andy e ao introduzir membros da equipa como Sona ou Jordan Schlansky ganha mais alma do que qualquer outro. Sentimos que conhecemos a equipa e o bom ambiente que se vive nas filmagens é viciante. Veja-se, por exemplo, os Scraps que se encontram também no canal de YouTube da Team Coco e que mostram os momentos que não chegaram à televisão, mas mostram como é que uma equipa troca ideias e se diverte enquanto trabalha. Não obstante de, no último episódio, Conan O’Brien dizer que ser host de um talk show é o trabalho para o qual nasceu, é um prazer vê-lo a desviar-se do formato típico de conversas de talk show. Apesar da sua inteligência emocional e sentido de humor conseguirem não raras vezes criar momentos inesquecíveis, o tempo é muito limitado e o intuito promocional quase impossível de disfarçar. Daí surgiu Serious Jibber-Jabber, antes da era dos podcasts, onde Conan entrevista amigos sem limites de tempo, mostrando que quanto mais se aprofundava, mais tinha para dar. Hoje em dia temos o podcast “Conan Needs a Friend”, que felizmente veio para ficar e oferece o mesmo tipo de conversas.
Há cada vez mais talk shows, mas não há nenhum entertainer ou humorista como Conan. No final do seu último programa, nas últimas palavras que nos dirige, fala-nos devotamente da beleza que é tentar fazer comédia entre o esperto e o estúpido, ou a inteligência e o absurdismo. O seu programa e carreira são um hino a isso mesmo. Encontrar o equilíbrio perfeito entre estas duas coisas parece-me dos mais nobres propósitos que um humorista pode ter. Até porque, muitas vezes, falhar nesse equilíbrio pode empurrar para a forca que paira sobre a carreira. Focar neste equilíbrio, minimizando o barulho do resto (e houve muitos fatores adversos na carreira de Conan) é a derradeira prova que está centrado no seu fim último: o riso. Resta agora aguardar pelo o que o seu novo programa, em 2022, trará, certamente algo esperto, mas quase de certeza que será estúpido também.
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