top of page

Entrevista a Igor de Aboim

Atualizado: 21 de mar. de 2022


Fotografia de Fátima, uma jovem refugiada síria


de Raquel Batista



Diretamente para coletânea de entrevistas da rubrica Tu Cá, Tu Lá, trazemos a conhecer Igor, um jovem de 28 anos, natural de Matosinhos, que decidiu dedicar a sua vida à fotografia em regime freelance. O seu percurso na fotografia começou na cidade piscatória, sob influência do seu tio e avô, tendo já colaborado com alguns jornais portugueses com reportagens de fotojornalismo.



Há três semanas, decidiu viajar até à Ucrânia, para comprovar se os rumores de um possível conflito se verificariam. Hoje, quer lá voltar e espera reencontrar os amigos que por lá deixou.



Dedica-se à fotografia de forma sempre autónoma e certamente o encontrarão numa manifestação ou a viajar à boleia.



Grécia, 2016 (fotografia de Igor de Aboim)



Como é que nasceu a tua vontade de fotografar?


A fotografia sempre esteve presente na minha vida. O meu avô era fotógrafo, abriu uma das primeiras lojas em Matosinhos - a “Fotomar”. O meu tio também era fotógrafo e eu acabei por “beber” dessa arte. Fiz a minha formação em dança e numa altura em que estava em voga fazer-se vídeos criativos, decidi pedir uma máquina emprestada ao meu tio e comecei por brincadeira a fazer umas edições.


Até que comecei a viajar e nasceu a vontade de registar o que via.


Em 2016, a 2 de setembro, fui com um bilhete de ida para Copenhaga e depois vim à boleia pela Europa. Entrei na Turquia, fui até à Grécia e estive lá uns meses, num campo de refugiados. A viagem era suposta durar 1 mês, mas demorou 3. Naquele tempo, entendi o impacto que a fotografia pode ter.


Ucrânia, 2022 (fotografia de Igor de Aboim)



Qual é a função da fotografia?


Pode ser considerada uma arma, especialmente neste momento - apesar de hoje em dia ser mais complicado, pela saturação e insensibilidade pelas imagens. Mas mesmo assim, tem o poder de mudar alguma coisa. Ver e ler a sua legenda tem impacto, é uma forma de documentar a história. Daqui a uns anos, se calhar, as fotografias terão muito mais importância do que têm hoje.



Quais são as tuas referências?


O mundo da fotografia ainda é recente para mim, mas as minhas maiores referências são os nomes incontornáveis, como Robert Capa, uma pessoa que admiro imenso pelo trabalho que fez e pela coragem que teve. Outro grande mestre é o Henri Carter Bresson, que também fez um trabalho documental importante, naqueles tempos, com uma grande beleza.


Em Portugal, temos o Alfredo Cunha, pela sua reportagem sobre o 25 de abril - provavelmente, daqui a 100 anos, ainda vamos estar a ver essas fotografias. Vão ter ainda mais valor, porque acho que com o tempo valoriza.



Nunca tiveste medo de fotografar devido às consequências?

Na Grécia não. Estive em Salonica, num campo com 150 pessoas, não corri perigo nenhum. O perigo maior foi fazer a viagem à boleia. Dormi em estações de serviço, mas isso para mim foi a aventura. Lá não tive medo, foi só uma realidade diferente e é difícil conseguir lidar com tudo o que vemos, já não é só algo que está longe.


O dia mais pesado foi quando primeira família saiu, abandonou o campo de concentração. Nós sabíamos que iam para melhor, obviamente, mas custou muito por causa do sentimento de união que se cria.



Treino militar em Dnipro, Ucrânia, 2022 (fotografia de Igor de Aboim)



Quando é que tu sabes qual é o momento para fazer a fotografia?


Isso é algo que ainda estou a aprender, mas nem sempre corre bem. Às vezes, em 500 fotografias, só uma é que fica bem. É algo muito instintivo e eu não gosto de estar parado, gosto de ir andando e perceber se há um enquadramento que funciona e espero. Mas, às vezes, chego a casa e pergunto-me: "o que é que eu estava a sentir ali?". Mas quanto mais vivermos e virmos, mais vamos aprendendo e é algo que vem com o tempo.


Qual é a fotografia que mais te orgulhas de ter feito?


Há uma fotografia de que gosto muito, que são três crianças a brincar com uma laranja, na Jordânia, numa zona de Palestinianos. Eu passei e, de repente, a criança olha para mim, sorrimos; pedi autorização ao pai da criança, troquei algumas palavras e foi um momento muito bonito.



Em que é que difere a fotografia documental da fotografia que antes fazias?


Eu comecei por fotografar concertos, manifestações na cidade e na área dos casamentos também. Na fotografia documental, é preciso trabalhar mais com o tempo, com a história, a narrativa, para fazer perdurar a fotografia. É feito de forma diferente, é preciso estudo antes. Na Ucrânia, já sabia com quem ia falar, por exemplo.



E como é que foi a experiência na Ucrânia?


Ainda estou a assimilar aquilo que vi, mas foi fantástico. Foram duas semanas em que tudo ainda estava muito calmo e consegui sentir o carinho das pessoas e o que elas queriam realmente: paz e segurança. Existia algum sentimento de ansiedade, mas as pessoas estavam convencidas de que nada iria acontecer, que iria ser a continuação do conflito regional que já existia.


Kiev, 2022 (fotografia de Igor de Aboim)



Mas notaste um crescimento de tensão com o passar dos dias?


Sim, começou a haver alguns rumores sobre um possível bombardeamento, mas ainda era muito vago. Havia certos sítios que se notava maior tensão, como em Avdiivka, que foi um dos artigos que saiu no Público – ali percebia-se a desconfiança das pessoas.

Tanto que só conseguimos entrevistar uma pessoa, porque o resto das pessoas se negaram a isso.



Qual é o cuidado que tens na edição?


A edição em si tem de ser o mais natural possível. Pode, claro, haver um ajuste mais geral de luz e temperatura e a fotografia até pode ter mais poder, mas prefiro não o fazer e manter a integridade do que se passou.

コメント


bottom of page