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Estamos off

Esta desconsideração revela um desconhecimento sobre os reais impactos que a cultura e o desporto têm na sociedade moderna e o papel que nela desempenham. Um enfraquecimento de ambos levará, inevitavelmente, a uma sociedade menos capaz de responder aos problemas que enfrenta.

Crónica de Francisco Lemos de Araújo



Se me permite, começo hoje por perguntar ao leitor algo que certamente já lhe perguntaram muitas vezes durante a sua vida: como ocupa os seus tempos livres? Dou-lhe alguns momentos para pensar.

Não sou vidente, e longe de mim querer ter uma carreira nessa área, mas sou capaz de apostar (e acertar) que as suas respostas passam por livros, música, filmes/séries/documentários, teatro, desporto, entre outras coisas que lhe tragam gozo intelectual e bem-estar físico e mental, ao mesmo tempo que lhe permitem, ainda que por breves momentos, abstrair da realidade.

Fará, no próximo mês, 1 ano desde que o Governo decretou pela primeira vez um confinamento generalizado em Portugal (situação que hoje vivemos de forma muito idêntica) e se houve algo para o qual esta realidade alertou foi para a saúde mental. Impulsionou um tema que, apesar de ainda ser considerado tabu, vinha, lentamente, a ganhar a importância devida.

Coloca-se, assim, uma outra questão: de que forma podemos, mesmo em casa, manter uma vida que nos pareça normal, evitando entrar em desespero por convivermos 24 sobre 24 horas com as paredes de nossa casa? A resposta passa, quase sempre, pela Cultura e pelo Desporto.

Ironicamente, sendo reconhecidos como dois dos maiores aliados à manutenção da sanidade mental durante estes tempos difíceis, são setores relativamente aos quais o Governo pouco ou nada se importou.

Desde março de 2020, a Cultura tem andado num vaivém entre a proibição de realização de espetáculos e a permissão de o fazer com limitações nas lotações das salas. Ou seja, tudo parado ou a meio gás. Isto resultou num ano de 2020 com quebras a rondar os 70% em relação a 2019 e uma classe profissional à beira do abismo.

Não obstante, só em 2021 se concebeu um apoio específico para o setor. A Ministra da Cultura anunciou o arranque do programa "Garantir Cultura" que representa (numa primeira fase) um pacote de ajuda de 42 milhões de euros. Foi ainda anunciado que trabalhadores do setor irão receber um apoio único (sim, único) de 438 euros.

Portanto, estamos a falar de um apoio único a atribuir aos trabalhadores inferior a um salário mínimo e de um pacote de 42 milhões de euros a ser distribuído a todo o setor, sendo que estes valores servem para fazer face aos prejuízos do ano de 2020 e dos que já se estão a verificar neste início de 2021.


Para melhorar, no início deste mês foi anunciada a criação de uma plataforma específica para este programa, a qual se prevê que esteja operacional o quanto antes, para que as candidaturas possam começar a ser avaliadas em março. Na prática, isto significa que o processo arrancará volvido um ano desde o primeiro confinamento. Enquanto aguardamos pela enorme diligência do Governo, podemos ir aos drinks (e a Cultura vai definhando).

No caso do Desporto, o cenário não é melhor, uma vez que só no fim de Janeiro foi anunciado que está a ser preparada a criação de um fundo de apoio extraordinário ao setor. Passado quase um ano desde o primeiro confinamento, a ajuda do Estado ainda está a ser preparada.

O peso que o Desporto tem economica e socialmente levou a que organismos, nacionais e internacionais, viessem alertar sucessivamente para os impactos da pandemia no setor.

Logo no início, o Comité Olímpico de Portugal (COP) propôs ao Governo a criação de um plano de apoios ou incentivos que permitisse atenuar o impacto da paragem. A Organização das Nações Unidas apelou aos Estados que tivessem em conta o Desporto no planeamento da recuperação pandémica. Também, no seio da União Europeia foram-se sucedendo as recomendações e os apelos, tendo a Comissão Europeia elaborado um estudo que revela o forte impacto da pandemia neste setor.

Os avisos estavam lá desde o início, mas Portugal, ao contrário de alguns países europeus, tem vindo a ignorar o problema, teimando em encontrar respostas para um setor em queda.

O confinamento de março de 2020 obrigou ao fecho dos ginásios e recintos desportivos, os clubes fecharam portas e os atletas foram mandados para casa, privados de algo que fazia parte das suas rotinas. As competições desportivas foram suspensas, adiadas ou canceladas. Na reabertura, os ginásios implementaram medidas de segurança, os atletas com competições internacionais puderam regressar, bem como as ligas profissionais. Apenas mais tarde se abriu a possibilidade de os escalões de formação regressarem, mas com restrições.

Esta realidade levou a que muitos dos atletas jovens acabassem por abandonar a prática das suas modalidades, ditando uma quebra no número de atletas federados que, segundo o COP, ronda os 52%. Isto tem um impacto enorme nos clubes que vêm o número de inscritos a reduzir e, com isso, também as receitas.

O cenário é, por isso, negro do ponto de vista financeiro, mas também social.

O desporto é fundamental no combate a problemas de saúde, promovendo uma vida activa de todos os cidadãos, desempenhando um papel social muito relevante, sendo um aliado no combate às desigualdades, discriminação e isolamento sociais.

A falta de atenção que o Governo tem dado a estes setores é grave se tomarmos em consideração o impacto económico sofrido por estas, mas não só. Esta desconsideração revela um desconhecimento sobre os reais impactos que a cultura e o desporto têm na sociedade moderna e o papel que nela desempenham. Um enfraquecimento de ambos levará, inevitavelmente, a uma sociedade menos capaz de responder aos problemas que enfrenta.

Resta-nos, por isso, continuar a alertar os políticos para estas realidades que, como já se percebeu, não são prioritárias. Por enquanto, ficamos sem perceber para que Cultura e Desporto voltaremos quando nos virmos livres da pandemia.

Até lá, estamos off.

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