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Estamos sozinhos?


Então e a Coreia do Norte? Aparentemente, o seu isolamento é relativo se observarmos bem um conjunto de dados sobre o seu aparelho militar e política energética.

Crónica Aspas Aspas de Francisco Pena



Antes de mais, intriga-me como é que um país consegue manter um estilo de vida de total isolamento, a todos os níveis, atualmente. Isto contrasta totalmente com aquilo que a minha professora de Geografia repetia incansavelmente durante o meu 11º ano: “Nenhum país pode viver isolado no mundo global de hoje em dia!”. Então e a Coreia do Norte? Aparentemente, o seu isolamento é relativo se observarmos bem um conjunto de dados sobre o seu aparelho militar e política energética.


Quando vemos as icónicas demonstrações de força bélica norte-coreana, na forma de vistosas paradas militares em frente ao Palácio Kumsusan ou em qualquer outra avenida central de Pyongyang que tenha capacidade de suportar a passagem de grandes concentrações de veículos militares pesados, deparamo-nos com material militar da década de 60 e 70, num estado imaculado, proveniente de uma panóplia de antigos membros do Pacto de Varsóvia. A conclusão que se retira desta observação preliminar é que a República Popular Democrática da Coreia recebeu apoio militar da União Soviética e dos seus aliados. Assim, e tendo em conta que a URSS se dissolveu em 1991, seria expectável que o armamento norte-coreano estivesse parado no tempo. Aqui, chegamos a uma conclusão alarmante que resulta de uma observação mais atenta destes “espetáculos de força”.

Numa parada para celebrar o 105º aniversário do “eterno líder” Kim Il Sung (em 2017), para além do habitual desfile de soldados milimetricamente coordenados seguidos de veículos soviéticos fumegantes, surge a divisão de forças especiais norte-coreanas munidas de material militar avançado como sistemas de visão noturna e blindagem reativa. Estas forças são descritas pela televisão central coreana como “capazes de derrotar os SEALS norte-americanos”. Posto isto, a questão que se coloca é: como é que se explica este repentino avanço tecnológico? A resposta surge na vizinha do lado, a República Popular da China. Este grande colosso económico e populacional continua a fornecer a República Popular vizinha em termos bélicos e estratégicos.


Um ensinamento curioso que eu retirei do estudo da Coreia do Norte é que as maiores revelações acerca desta nação fechada surgem sempre primeiro sob a forma de pergunta. Como tal, é importante questionar como é que a Coreia do Norte alimenta o seu supostamente “grandioso” complexo militar-industrial.


Simplificando, de onde vem a energia deste país? Olhando para mapas e imagens de satélite, conseguimos apreender a segunda maior fonte de energia norte-coreana: a hídrica. Este assunto lembra-me, aliás, uma história curiosa que deixo como aparte: Dificilmente associamos o conceito de barragem com crises securitárias, contudo os vizinhos do sul de Kim Jong Un já estão avisados para esses perigos. Em 2003 terminou a construção da barragem de Imnam no rio Bukhan perto do famoso paralelo 38. A construção desta barragem pelo Norte foi vista como uma ameaça à capital sul coreana, Seul, pois o rio Bukhan desagua no rio Han que banha a cidade, sendo assim possível aos norte-coreanos causarem cheias ou secas a qualquer momento. Isto levou a que os sul-coreanos tivessem que construir a Barragem da Paz na fronteira, com o objetivo de travar a ameaça norte-coreana. Num passado mais recente foram avistadas falhas estruturais graves na barragem norte-coreana, reforçando assim o papel da nova barragem como garantia da segurança de uma cidade com quase 10 milhões de habitantes.


Finda a breve referência à energia hídrica norte-coreana, permanece ainda a dúvida de qual é, então, a principal fonte energética norte coreana. A resposta assenta no carvão. Antagonizado pelas nações europeias, pelos nefastos efeitos que tem no meio ambiente, esta fonte energética de outros tempos é vital para o funcionamento da República Popular Democrática da Coreia. O carvão é uma das maiores fontes de rendimento do país, sendo essencial que os seus vizinhos chineses continuem a comprá-lo. Contudo, as Nações Unidas surgem como um entrave económico ao colocarem sanções às exportações de carvão norte-coreanas. Sendo a necessidade a mãe do engenho, os velhos aliados desenvolveram uma espécie de “mercado negro energético” flutuante que se materializa na transferência de carvão de navios norte-coreanos para barcaças chinesas no Mar Amarelo, de modo a que não possam ser apreendidos nos portos. Como de costume, quando se trata da Coreia do Norte surge-nos mais uma questão. Onde é que se aplica o dinheiro resultante das exportações? A resposta que a maior parte dos analistas consideram ser correta é o programa de armamento nuclear norte-coreano, daí a relevância da exportação deste recurso.


Posto tudo isto, constatamos que ainda não sabemos tudo o que se passa a norte do paralelo 38, esperando assim que este mundo global, com os seus problemas e oportunidades, possa vir a abrir este país, libertando, deste modo, não só um povo, como uma cultura milenar reprimida por um regime implacável e sanguinário. Assim, é razoável começarmos a questionar se a posição “orgulhosamente só” da Coreia do Norte é sustentável no século XXI ou não será mais uma ilusão, como a honrosa derrota por 4-0 (que misteriosamente acabou no minuto 60 com um golo de Tiago) contra Portugal, o eventual campeão do Mundo de 2010, que foi relatada ao povo norte-coreano por uma sempre energética Ri Chun-hee.

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