Fascismo
por André Carujo
Introdução de João Moreira da Silva
Edição de Mª Madalena Freire
Um artigo de investigação do Jornal Crónico
Há uns meses, o meu amigo André Carujo disse-me que queria escrever sobre a ascensão do fascismo em Portugal.
Passados uns dias, surpreendeu-me com um texto de treze páginas a explicar o porquê de o “Chega!” ser um partido fascista, de acordo com a Constituição Portuguesa. Foi o texto mais completo sobre o assunto que li até ao dia de hoje. Por isso, tinha de ser publicado.
Assim, trazemos um novo conceito ao Crónico. Vamos começar uma série de textos de análise profunda de determinados temas atuais. No entanto, não queremos ficar apenas pela análise – vamos partir para a ação e enviar estes textos para “quem manda nisto”.
Sendo este texto uma análise da legalidade de um partido, a sua resolução será enviada para diferentes órgãos institucionais, com um único objetivo: que chegue às mãos do Tribunal Constitucional.
Sabemos que é manifestamente improvável que, por esta publicação, o Chega seja considerado um partido inconstitucional. Mas seria um desperdício deixar este “raio-X completo” a pairar no ar da internet.
Da nossa parte, podem esperar mais iniciativas destas ao longo dos próximos tempos.
João Moreira da Silva
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Desde do dia 25 de Abril de 1974 que esta é uma realidade distante do dia-a-dia da Sociedade Portuguesa. No entanto, nada na vida é estanque e apesar de vivermos então num Estado de Direito Democrático há 46 anos, a verdade é que nunca devemos tomar isto por garantido. Todos os dias devemos lutar, com todo o esplendor, no que toca: à liberdade de expressão, à liberdade de desenvolvimento económico, ao direito ao voto, à liberdade de reunião, à liberdade de associação, à liberdade religiosa, à liberdade sexual, à liberdade laboral. Enfim, poderíamos estar aqui a discorrer sobre todos os princípios e direitos que a nossa Constituição da República Portuguesa consagra, também muito inspirada por aquilo que tem sido os valores defendidos a nível de Direito Internacional Público, pós 2ª Guerra Mundial, que teríamos muito para ler e discutir. No entanto, não será sobre isto que este texto se centrará, directamente. Centrar-se-á sim sobre aquilo que ameaça tudo isto: o Fascismo.
Independentemente do ponto partidário ou ideológico onde nos possamos colocar – esclarecer que o Fascismo apesar de ser muitas das vezes veiculado como extrema direita, não pode estar mais errado do que isso, do meu ponto de vista, pois este mal social encarna todas as vestes políticas que encontre para suceder, como iremos perceber - e falando convosco alguém apartidário que não tem qualquer tipo de apreço por brocardos políticos e que defende sim ideias atendendo ao momento e espaço concreto, tendo sempre em conta quem se propõe a levar estas avante, uma coisa podemos ter certa em mente: ideias fascistas, quaisquer que elas sejam, não podem ser permitidas em momento algum.
Poderá parecer uma afirmação forte, desproporcional e até contrária à liberdade de expressão nas suas mais variadas formas, mas não o é. É uma afirmação responsável, proporcional aos perigos que este problema acarreta e de acordo com uma liberdade que em nenhum momento legitima a colisão e denegação de outros princípios e direitos, igualmente importantes. Usando aqui a referência ao Paradoxo da Tolerância de Karl Popper, a verdade é que se permitirmos uma tolerância destas, tão abrangente, sujeitamo-nos a que na curva crescente destas ideias intolerantes, os tolerantes deixem de ser aceites, sendo por fim erradicados e com eles todas as suas ideias de Direito e Democráticas.
Dito isto, qual a importância deste tema, neste momento? Poderá o leitor, eventualmente, questionar-se. Ao que respondo: temos um Partido Fascista na Assembleia da República, o Chega. Pode causar estranheza como é que isso é possível, mas passarei a explicar, abordando as várias questões que sustentam a minha afirmação e acabando com uma sugestão de solução.
E ainda que a minha reflexão se centre sobre Portugal, pois não podemos falar de outros quando nem a nossa casa arrumamos, não deixarei de abordar a situação europeia e mundial, pois como bem sabemos, há muito que não vivemos isolados, sendo nós todos uns verdadeiros cidadãos do mundo.
I Definição de Fascismo
Em primeiro lugar, começo por definir o que é o Fascismo propriamente dito, e remeto por isso para o artigo 3º da Lei 64/78 sobre as Organizações Fascistas, onde iremos chegar a uma certa caracterização do Fascismo:
“1 - Para o efeito do disposto no presente decreto, considera-se que perfilham a ideologia fascista as organizações que, pelos seus estatutos, pelos seus manifestos e comunicados, pelas declarações dos seus dirigentes ou responsáveis ou pela sua actuação, mostrem adoptar, defender, pretender difundir ou difundir efectivamente os valores, os princípios, os expoentes, as instituições e os métodos característicos dos regimes fascistas que a História regista, nomeadamente o belicismo, a violência como forma de luta política, o colonialismo, o racismo, o corporativismo ou a exaltação das personalidades mais representativas daqueles regimes.
2 - Considera-se, nomeadamente, que perfilham a ideologia fascista as organizações que combatam por meios antidemocráticos, nomeadamente com recurso à violência, a ordem constitucional, as instituições democráticas e os símbolos da soberania, bem como aquelas que perfilhem ou difundam ideias ou adoptem formas de luta contrária à unidade nacional.”
Ainda que a nível jurídico, académica e jurisprudencialmente esta definição possa ser criticada por demasiado lata, é a meu ver bastante esclarecedora, pois o Fascismo é uma construção que se impõe pelo seu lado social, político, cultural, religioso, bélico, económico, percebendo assim o perigo que esta doutrina representa. E quando falamos daquilo que a História regista, ainda se torna mais fácil de concretizar, pois recorremos a exemplos reais para fazermos a subsunção desta norma ao caso concreto que se apresente. Com o avançar do texto irei fazer este exercício, recorrendo aos dois exemplos mais conhecidos a nível mundial, de espectros diferentes: a Alemanha de Hitler e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas de Estaline. E claro, no exemplo nacional, o Estado Novo de Salazar.
Continuando, poderá ser estranho como é que um partido assim chega a ser formalizado, podendo parecer haver alguma verdadeira legitimação e licitude do mesmo, e de facto existe num primeiro momento formal. Algo que é uma questão que os juristas se irão sempre deparar com, será a formalidade e a materialidade das coisas. Ainda que num primeiro momento formal, o Chega possa ter passado no crivo da Lei e conseguido “fintar” o Tribunal Constitucional, chegou depois o momento seguinte, e que é mais o difícil para os semânticos desta vida cumprirem, o momento material da verdade. É neste momento em que vamos percebendo se as acções do partido vão correspondendo ao que se definiram como, onde se vai analisando as acções dos seus dirigentes, os seus discursos, escritos, posturas e ligações. É aqui que percebemos que é mais fácil apanhar um mentiroso do que um coxo. Poderei parecer indecoroso nesta última frase, mas acho que não se destoa de alguém que é desonesto intelectualmente, passando a seguinte falácia para o Povo: que o académico pode pensar e defender coisas diferentes do político. Como jurista que André Ventura é, sabe que a vida jurídica não se separa da vida extrajurídica, muito pelo contrário, esta funda-se naquilo que é a vida real e tenta percepcionar, orientar e controlá-la o melhor possível. Por isso, se nem uma se separa da outra, muito menos se separa o homem científico do homem que estará precisamente no lugar do legislador - aquele que faz a Lei e bebe desse saber para melhor actuar.
II O Chega
"Erros e falhas existirão sempre no nosso mundo, a nível da pessoa ou daquilo que esta construa com outros, um partido, uma empresa, um estado, pois estaremos sujeitos sempre à nossa imperfeição humana, ainda que isto nunca justifique o deixar de almejar e lutar por uma vida melhor, por nós e por todos com quem partilhamos esta nossa passagem."
Neste sentido passo agora a fazer subsunção daquela norma às várias acções do partido Chega e concretizando com as referências históricas.
Em cerca de um ano de existência deste partido, o mesmo já contabiliza imensas situações neste sentido, o que se torna desde já um sinal claro que existe um repetir, constante de um conjunto de ideias que se vão materializando nas mais variadas accões, e que em nenhum momento foram situações isoladas no tempo, más interpretações ou acções praticadas por uma pessoa ou grupo de pessoas em específico, não reflectindo a estrutura mãe. Acho importante de referir isto, porque o leitor poderá questionar-se quanto a outros partidos portugueses, quando os mesmos se calhar já tiveram acções destas, ressalvando partidos ou países que vivem num regime Fascista, ou que em algum momento já tiveram atitudes atentatórias da liberdade de expressão ao reprimir algum indivíduo, grupo ou o povo em geral, mas verdade é que não se perpetuou no tempo, nos mais variados campos social, cultural, político, entre outros, e de forma acerrada pelos vários meios. Erros e falhas existirão sempre no nosso mundo, a nível da pessoa ou daquilo que esta construa com outros, um partido, uma empresa, um estado, pois estaremos sujeitos sempre à nossa imperfeição humana, ainda que isto nunca justifique o deixar de almejar e lutar por uma vida melhor, por nós e por todos com quem partilhamos esta nossa passagem. Por isso, quando algum outro partido incorrer nas mesmas falhas aqui apontadas e da forma referida, merecerá exactamente a mesma resposta, independemente da cor política e ideologia, mais uma vez.
Antes de passar à análise doutro tipo de acções do Chega, começo primeiro por analisar o programa com o qual este se apresentou às últimas eleições legislativas (podem consultar aqui, se entretanto, o mesmo não for retirado de novo https://partidochega.pt/programa-politico-2019/) e no qual 67826 portugueses decidiram sufragar a favor. Porque é que me dei ao trabalho de apresentar o número concreto? Para esclarecer que naquele lugar até poderia estar a totalidade dos votantes – 5251064 (para consultar os dados https://www.legislativas2019.mai.gov.pt/) – que em nenhum momento ficavam legitimadas pretensões racistas, xenófobas, homofóbicas, o que seja. A Democracia e o Estado de Direito, felizmente, não funciona pelos números, se não, o leitor já percebeu como seria a nossa vida em Portugal ? Seríamos todos do Benfica, Católicos e Lisboetas. A Democracia e o Estado de Direito funcionam pelo sistema de valores que detêm e nunca poderão abdicar disso, até mesmo num Estado de Emergência, como tivemos a precepção, recentemente.
E, já que toco neste ponto, aproveito para dizer que o Fascismo não se confunde de todo com a Ditadura, pois o mesmo pode-se propagar em Democracia, quando o sistema é pervertido. Para isso veja-se o forte exemplo dos Estados Unidos da América, onde as ideias racistas continuam a ser um apanágio na estrutura da sua Sociedade desde há muito. No entanto, os Estados Unidos da América não deixam de ser um forte baluarte da Democracia mundial, mesmo apesar de todo este mandato de Donald Trump que várias vezes caiu em tiques ditatoriais, ao não respeitar a separação de poderes, o escrutínio interno administrativo, a liberdade de expressão, acordos multilaterais, entre outros. Lá está, a Democracia custa tanto a ganhar, mas é num instante enquanto se esfuma, e com ela o Estado de Direito.
III Programa do Chega
"Neste sentido, desde da liberdade de desenvolvimento pessoal em sentido lato, às liberdades em sentido estrito, liberdade religiosa, de criar família, sexual, de pensamento, são tudo direitos que se encontram plasmados nos artigos da nossa Constituição da República, bem como em documentos internacionais como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Pacto Político dos Direitos Civis, a Carta Europeia dos Direitos do Homem ou o Tratado da União Europeia. "
“e) A proibição da propaganda da agenda LGBTI no sistema de ensino.”
“6. Um Sistema Educativo acessível a todos, vocacionado para a consolidação dos valores culturais e civilizacionais judaico-cristãos, sem interferência de correntes que se filiam na chamada “ideologia do género” e no dito “marxismo cultural””
“4. Rejeição do multiculturalismo e de qualquer política pública nele fundamentado caso, por exemplo, das discriminações positivas com base étnica, cultural ou religiosa. O Chega suscitará a inconstitucionalidade de tais práticas.”
“1. Vida, Família e Educação
Vida, Família e Educação são, no plano da realidade humana, três realidades profundamente interligadas e como tal aqui serão tratadas. A Família natural, baseada sobre a íntima relação de um homem e de uma mulher é uma realidade sociológica e política anterior ao Estado.”
“k) Uma reflexão séria sobre as vantagens de um regresso ao modelo sociológico da família alargada. Entende-se por família alargada a modelo de família que reúne, sob um mesmo tecto, três gerações: o casal, os seus filhos e os pais de um dos membros do casal. Este modelo tinha não poucas vantagens desde logo tinha com que foi particularmente usual até meados do século XX caiu em desuso por várias razões e de vária ordem. O CHEGA entende como importante reflectir sobre em que medida o renascer deste tipo de família não seria interessante do ponto de vista económico, social e cultural.”
“m) O fim da promoção, pelo Estado, de incentivos e medidas que institucionalizem os casamentos entre homossexuais e a adopção de crianças por “casais” homossexuais – no postulado que não compete ao Estado, nem entrar na casa das pessoas, e, muito menos, nas suas “camas”, sem embargo de assegurar a liberdade, individual e consentida, de cada um se relacionar, como quiser, com quem entender.”
Este conjunto de excertos aqui indicados, demonstram claramente aquilo que pretende ser a doutrinação de um partido por aquilo que entende correcto: por um modelo de família, por um modelo de religião, por um modelo cultural, por um modelo de sexualidade (esta não se escolhe ao contrário do restante que referi, convém recordar aos mais destraídos). Em nenhum momento, o Estado pode impor e doutrinar os seus cidadãos achando que ele é que sabe o que é mais correcto, em campos que apenas dizem respeito à esfera íntima e pessoal. Pode e deve apenas permitir o acesso ao conhecimento de todas as realidades, para que o indivíduo tenha noção por si e pela sociedade em que se insere, que de facto vivemos num mundo plural e aberto, onde o indivíduo tem o direito a desenvolver-se livremente, respeitando sempre o outro.
Neste sentido, desde da liberdade de desenvolvimento pessoal em sentido lato, às liberdades em sentido estrito, liberdade religiosa, de criar família, sexual, de pensamento, são tudo direitos que se encontram plasmados nos artigos da nossa Constituição da República, bem como em documentos internacionais como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Pacto Político dos Direitos Civis, a Carta Europeia dos Direitos do Homem ou o Tratado da União Europeia.
Como podemos observar no regime de Hitler, de Stalin ou de Salazar, a denegação destes valores foi premente, ao ponto de se matar quem não partilhava da sua visão social, familiar, religiosa, sexual, política. Desde dos Judeus nos campos de concentração, aos presos enviados para o Gulag ou para o Tarrafal. No nosso caso específico, o lema “Deus, Pátria e Família” que impunha sobre os Portugueses uma carga obrigatória na religião Católica e na família tradicional, não sendo obviamente um desejo igual para todos.
III. 1
“e) Introdução de legislação, no Código Penal, sobre a castração química como forma de punição de agressores sexuais, a qualquer culpado de crimes de natureza sexual cometidos sobre menores de 16 anos. Na primeira condenação, a castração química é uma opção de quem aplica a pena, na segunda será obrigatória. Pode ser cumulativa com outras penas como a prisão e é aplicada quando o agressor estiver em liberdade condicional.”
As penas físicas são uma realidade cada vez mais escassa (mais uma vez, o paradoxo da Democracia dos Estados Unidos aqui aparece, com a pena de morte ainda a subsistir), tendo em conta a integridade física e moral, e em suma, a dignidade da pessoa humana - o princípio estruturante mais importante de um verdadeiro Estado de Direito Democrático. Como país pioneiro na abolição da pena de morte, no mundo, devemos continuar a primar por uma defesa intransigente dos valores humanos mais importantes e não recorrer às supostas “soluções fáceis e eficazes”, que colocam sobre o Estado a possibilidade um dia perceber que tem sangue dum inocente nas suas mãos, quer seja por um erro judiciário, um erro científico, um erro de corrupção ou outra coisa qualquer. Nada justifica uma solução bárbara e irremediável.
Escusado também será dizer que numa comparação histórica, desde da tortura à morte, tudo isto foi apanágio do regime de Hitler, de Stalin e de Salazar.
III. 2
“m) Oposição frontal à tipificação do chamado “crime de ódio” na lei penal portuguesa.”
Felizmente, mais uma vez, Portugal volta a estar na frente do Direito Penal, criminalizando o ódio. E isto é extremamente importante face ao Chega, visto que o mesmo vocifera ódio constantemente, como tem sido notório com a comunidade Cigana. Este é um meio extremamente utilizado pelo André Ventura para confundir e falaciar aqueles que se encontram mais debilitados pessoalmente e que vivem tempos difíceis do ponto de vista socioeconómico, para que se virem sobre uma ideia ou um grupo, libertando as suas frustrações infundadas.
Mais uma vez, historicamente, isto é notório nos mais variados regimes Fascistas, e aqui faço a referência essencialmente a Hitler, que com a sua obra “Mein Kampf”, destilou um ódio puro ao definir um perfeccionismo humano que deixava de fora quem não pertencia ao mesmo, tendo depois isso desembocado na perseguição atroz que foi feita aos Judeus, Negros, enfermes, e não só, mas relativamente aos primeiros, com intuito de dar uma resposta à crise que estes passavam desde de 1929, não fosse este grupo um dos mais ricos na Alemanha.
III. 3
“8. O Direito fundamental da Propriedade Privada: Recolocar, no lugar que em tempos já teve, o princípio inviolável da propriedade privada, que se tem vindo a degradar ao longo dos anos, todos os dias minado pela sobrevivência cultural e sociológica do marxismo. É sintomático que o direito à propriedade privada se não encontre constitucionalmente consagrado, contrariamente ao que se passa com outros direitos de muito menor dignidade.”
Aqui presenciamos algo que é cada vez mais notório nos Fascistas do Séc.XXI que é a contínua mentira e desinformação, que não tem qualquer tipo de sustentação faticamente, cientificamente, em nada. Baseia-se tudo no empirismo, na ideia da intuição e opinião sem limites, duma liberdade de expressão sem responsabilidade, perante ninguém. Para aquele que é um doutor em Leis, fica-lhe mal desconhecer o artigo 62º da Constituição da República Portuguesa.
III. 4
“Na sua generalidade implicam, mais do que uma revisão da Constituição em pontos cruciais, uma nova Constituição votada por uma Assembleia Constituinte, esta, sim, livremente eleita e reunida. Mas nenhum partido que pretenda recentrar o regime e refundar o sistema poderá prescindir dessa luta. A actual Constituição não passa da magna carta de um regime desvirtuado, ou do road map do sistema, um road map todo ele desenhado para obrigar o viandante a permanecer no mesmo sítio. Finalmente, recentrar o Regime e refundar o Sistema, pressupõe a passagem da actual III República para uma para uma IV República. Um núcleo de bases políticas que pretenda atingir estes objectivos será, necessariamente, um documento politicamente incorrecto. Este, é-o seguramente.”
As injúrias e calúnias face à Lei Fundamental do nosso país são constantes, dando sempre a entender que o caminho é mandar abaixo a primeira Constituição verdadeiramente Democrática e suportada em Direito, em quase 900 anos de história da nossa Nação, ao invés duma revisão constitucional totalmente aceite dum ponto de vista jurídico e político. É notória a desconsideração deste diploma, que reflecte, mais uma vez, os vários princípios e direitos defendidos a nível internacional no pós-Segunda Guerra Mundial, e essencialmente, a vontade do povo Português que se expressou ao fim de mais de 40 anos de repressão. É verdadeiramente um desrespeitar dum símbolo nacional, com todo valor histórico e prático que carrega.
A nível histórico dizer que temos um virar em Portugal e na U.R.S.S. com as Constituições aprovadas de 1933 e 1936, respectivamente, e na Alemanha, com suspensão da Constituição de Weimar, pavimentando depois o caminho às atrocidades positivistas que foram feitas, com a defesa de que tudo o que está Lei cumpre-se, independentemente disso ter comandos profundamente perversos.
III. 5
“A preferência pelos contactos bilaterais em detrimento das relações multilaterais. Entre outras razões porque estas últimas primam pelo adiar dos problemas e nunca pela sua solução, um adiamento que, na esmagadora maioria das vezes está longe de ser inocente. De facto, esse adiamento dá-se, de forma geral, em proveito do Estado mais forte de entre os que se sentam à volta da mesa. Assim sendo, colocam-se de imediato as seguintes questões A necessidade da reavaliação do interesse efectivo da nossa presença na ONU. Por duas ordens de razões, qualquer uma delas relevante: No estrito quadro das atribuições que supostamente haveriam de ser as suas quando da sua fundação como substituta da defunta Sociedade das Nações, a sua total inoperância e crassa inutilidade são por demais evidentes. Em contrapartida, transformou-se numa produtora e difusora do marxismo cultural e do globalismo massificador que não estamos dispostos a consumir e, muito menos, a pagar para que outros os consumam”
Aqui começo até pela vertente histórica onde sempre foi comum o estabelecimento de relacionamentos bilaterais por parte destes regimes fascistas, negando as visões multilaterais. Negando uma governança global que se espera cada vez maior, de forma a facilitar um mundo cada vez mais interligado, não reconhecendo o impacto ambiental, económico, social, de saúde que uma acção num qualquer ponto do globo, pode ter sobre noutro ponto totalmente distante. E claro, o destabilizar duma instituição como a Organização das Nações Unidas responsável por tantos feitos ao longo de mais 50 anos, é de facto um motivo de vergonha para qualquer cidadão do mundo. Ainda que a mesma já possa ter tido mais poder e eficácia, não deixa de ser o melhor plano que continuamos a ter para manter um equilíbrio na ordem mundial entre os mais variados Estados, e que tenta chegar à pessoa individual, seja pela saúde, agricultura, cultura, economia ou política, entre outros. É uma plataforma que precisa de reformas e novos planos, mas para isto precisa essencialmente de que não desistam da mesma e que lhe dêem mais.
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Por aqui ficam os excertos do programa eleitoral, mas que aconselho ao leitor a ler mais do mesmo. E ainda que possa encontrar coisas com que concorde, que aliás eu também encontrei - um relógio estragado, está certo duas vezes ao dia - e não podemos ser hipócritas, no entanto, nada disso validará não o que de grave está lá escrito e não pode ser aceite, numa Sociedade que se quer melhor.
IV Comentários
Perdemo-nos nos comentários intermináveis que André Ventura faz na Assembleia da República, nos seus tweets ou em entrevistas, sem qualquer tipo de respeito pela Lei ou decoro pelo cargo que ocupa, na casa de todos os Portugueses. E passo a indicar:
O negar do racismo nas acções no Estádio D.Afonso Henriques, na questão do jogador do Futebol Clube do Porto, Marega (https://www.jornaldenegocios.pt/empresas/desporto/detalhe/andre-ventura-defende-que-marega-nao-foi-vitima-de-racismo);
O sugerir de que a deputada não inscrita, Joacine Moreira, teria que voltar para a sua terra, quando a mesma é Portuguesa (https://observador.pt/2020/01/28/andre-ventura-propoe-que-joacine-seja-devolvida-ao-seu-pais-de-origem-livre-queixa-se-de-racismo/);
A crítica à liberdade de expressão do jogador da Selecção Nacional, Ricardo Quaresma (aqui referir a incoerência do deputado André Ventura que como líder de um partido e como deputado, manteve o seu trabalho enquanto comentador desportivo – mais uma prova de que o mesmo não reflecte nas suas acções o que defende, separação e transparência total) (https://www.sabado.pt/portugal/detalhe/andre-ventura-responde-a-quaresma-e-lamentavel-que-um-jogador-da-selecao-se-envolva-em-politica);
A sugestão contínua de medidas legislativas específicas atendendo a comunidade Cigana, violando aquilo que deve ser uma Lei abstracta e geral, que não descrimina, a menos que o faça de forma positiva e justificada (https://www.tsf.pt/portugal/politica/sem-racismos-chega-vai-avancar-com-proposta-para-confinamento-de-ciganos-12162413.html);
O cortar da liberdade de expressão a todos os que falem contra polícias, magistrados ou guardas prisionais, revelando a característica fascista que de que Administração não se sujeita à crítica (https://sol.sapo.pt/artigo/698737/andre-ventura-diz-que-se-ganhar-eleicoes-ofender-policias-vai-dar-mesmo-prisao);
Entre outros, basta abrir o Twitter do mesmo, o Youtube, os meios de comunicação social em geral, o que o leitor deseje e encontrará como facto notório tudo isto e muito mais.
V Outro tipo de ações
"A verdade é que as ideias são infecciosas e permanecem, vão-se alimentando e crescendo, e se não tivermos cuidado, podemos ter uma Sociedade completamente infectada. Não deixamos de ser pequenos sistemas que podemos ficar danificados e que a recuperação é difícil, mas não impossível"
Gravações particulares que depois são postas a circular pela Internet a fora, já podemos ouvir, por exemplo, no anúncio da candidatura à Presidência da República por parte de André Ventura, mais uma vez, a sua defesa face à solução da castração química, contando desta vez com um comentário em que sugeria que se não tivesse pessoas que o aconselhassem, até a castração física propunha.
Em reuniões do partido, também já foi registada uma saudação Nazi, assim como se registou uma, pelo próprio líder, André Ventura, nesta manifestação do dia 27. (https://sol.sapo.pt/artigo/684385/andre-ventura-reage-a-saudacao-nazi-durante-comicio-do-chega-video e https://www.jn.pt/nacional/manifestacao-de-direita-arranca-com-um-sexto-dos-participantes-esperados-12360962.html, respectivamente)
Referir também os recentes homens do partido, comumente chamados de “jotinhas”, foram alguns deles ligados anteriormente a movimentos extremistas, tendo estes, nas suas contas de redes sociais, publicado comentários discriminatórios e de ódio. (https://www.sabado.pt/portugal/detalhe/jotas-do-chega-pertenceram-a-grupos-fascistas?utm_medium=Social&fbclid=IwAR0ZSsJwVdWoIcQ3KBDBVnPFS2M6OFLUwI4BV5V4EGm_30_CVVxoYy4p8y4)
Mais uma vez, é abrir as redes sociais e os vários meios de comunicação em geral, e perceber que se trata quase tudo de factos notórios.
Tudo isto sucedeu-se de forma contínua, não havendo qualquer tipo de erro ou arrependimento, ao longo de pouco mais de um ano. É claro que vai contra o estipulado na Constituição da República Portuguesa, no artigo 46º nº4 e na Lei 64/78 que concretiza este disposto, para além dos diplomas internacionais e outros princípios/direitos previstos constitucionalmente que já referi. A minha reflexão, após tudo isto, fica então para a Presidência da República, na pessoa de Marcelo Rebelo de Sousa, para todos os Deputados da Assembleia da República, para a Provedora de Justiça, na pessoa de Maria Lúcia Amaral e para a Procuradora-Geral da República, na pessoa Lucília Gago (artigo 6º nº2 da Lei 64/78). Do que estão à espera do quê para cumprir estes desígnios e entregar este caso ao Tribunal Constitucional (artigos 10º e 104º da Lei 28/82), para que seja cumprida justiça pelos meios dignos e formais ? Será a vós que o Povo Português deverá assacar a omissão na defesa da Democracia e do Estado de Direito, quando tudo é tão feito às claras, constantemente e variadíssimas formas?
No que toca ao partido em si, será este o caminho (artigo 4º da Lei 64/78); já no que toca aos responsáveis e membros do partido serão depois julgados pelo Tribunal Criminal da Comarca de Lisboa, podendo apanhar penas de 2 a 8 anos (artigos 5º e 7º da Lei 64/78).
Neste sentido e aproveitando alguma das boas coisas que André Ventura defende, aplicadas a este caso, espero que a Justiça funcione e que não tenha pena de quem continua a viver de dinheiros públicos de forma indevida, quando não cumpre as leis. Parece que não estamos presentes perante um cigano, um negro ou um imigrante, mas apenas perante um branco que é racista, xenófobo, homofóbico e acho que poderia continuar aqui a rotular este Doutor das Leis, que prova e bem que o crime é de facto um mal social que está presente na sociedade por inteiro, e não numas partes como tanto se esforça por dizer.
Afinal de contas, acho que ainda não tivemos um banqueiro cigano que levou um banco à falência, ou um Primeiro-Ministro negro que teve que pedir um resgate, e parece que até houve um caso em que se julgou pedófilos que eram celebridades dos vários espectros sociais.
E pronto, o leitor diz-me agora que tudo então está resolvido, podemos descansar que a Lei e a Justiça farão o seu trabalho e pronto. Fácil. Até quase que me pareço com quem estou a criticar (só que não).
Uma decisão jurídica não altera de imediato a realidade social, da mesma forma que a o suicídio de Hitler e a capitulação da Alemanha não findou o Nazismo, tendo muitas pessoas continuado a defender estas ideias bem depois de 1945 e chegando aos dias de hoje. A verdade é que as ideias são infecciosas e permanecem, vão-se alimentando e crescendo, e se não tivermos cuidado, podemos ter uma Sociedade completamente infectada. Não deixamos de ser pequenos sistemas que podemos ficar danificados e que a recuperação é difícil, mas não impossível. E qual o antídoto? Paideia.
Uma ideia que remota à Grécia Antiga, com Sócrates e Platão, e que através da educação consegue-se um indivíduo mais capaz, mais conhecedor de si mesmo e de tudo o que rodeia, capaz de reflectir e questionar, capaz de dar mais à pólis e sair então da caverna, não continuando uma vida no rumo para os demais. Isto materializa-se não só na educação basilar que recebemos em criança, no seio familiar, mas depois naquela que vamos ter acesso pelas várias estruturas da Sociedade, em especial da escola. É preciso ensinar estes valores que até agora referi e defendi. Não devemos ter medo de ter a nossa tábua de valores bem segura de si mesma. Não devemos ter medo de dizer não ao Fascismo, na sua vertente racial, xenófoba e a tudo o que não permita a vida em Sociedade, de forma pacífica. Só assim conseguimos firmar uma Sociedade hirta e segura de si mesmo desde do início, evitando futuros erros, mas preparados para os corrigir assim que os mesmos apareçam.
No entanto, dizer que quem erre não deverá ser ostracizado, mas sim reformado e reintroduzido de novo na Sociedade. Não estaríamos a começar bem, se fossemos os primeiros a admitir que de facto as pessoas são descartáveis quando erram ou têm problemas. Fazemos todos parte e só todos juntos lá chegamos. Seja através das penas criminais - enquanto o agente não compreender - ou através de acções de sensibilização nas escolas, desde cedo, a verdade é que o Estado, enquanto defensor da Democracia e duma Sociedade regulada pelo Direito, deve ser o primeiro a dar o exemplo nas suas mais variadas Instituições, desde do Parlamento - o órgão nacional eleito mais democrático -, às Forças de Segurança Pública, que são contratadas.
Tem que haver uma mensagem clara em que se explica, frontalmente, a todos, o porquê destas ideias serem erradas e não aceites, daí erradicadas da Sociedade. Se não, caíamos no risco de fazer críticas bacocas e que roçam o mesmo nível de quem pretendemos criticar, uma repressão igual sem nexo. Aquilo que se passou entre o Presidente da Assembleia da República Ferro Rodrigues e o Deputado André Ventura é deplorável e antidemocrático. É através do diálogo e da exposição que colocaremos sempre a nu qualquer demagogia que apareça.
E aqui, termino com uma ideia de Nelson Mandela, que se ninguém nasce a odiar o outro pelo que seja, sendo ensinado para tal, então também lhe podemos mostrar o caminho do amor, pois este é mais natural ao coração humano.
O caminho não é fácil, nem nunca será, mas nunca poderemos baixar os braços. Agora que falei de Portugal e em jeito de concluir, falarei apenas brevemente da Europa e a nível mundial.
Gostava de facto, mais uma vez, que Portugal conseguisse despoletar a consciência doutros e nesse sentido enviássemos uma mensagem para todas as nações Europeias: de que é possível erradicarmos todos aqueles que não defendam as normas de Direito Internacional Público e da União Europeia, e subsequentemente das Constituições instituídas. Só assim podemos lançar, mais uma vez, um exemplo enquanto uma comunidade de 27 Estados, que não aceita o que se passa na Hungria e aplica o art.7º do Tratado da União Europeia.
Só assim podemos chegar aos Estados Unidos da América e puxá-los para o lado da razão, e termos de volta um companheiro do Estado de Direito Democrático Ocidental, que valoriza tudo o que tem sido construído ao longo de mais meio século, em termos de governança global, e não destrói tudo, peça por peça, a nível interno e externo.
Só assim também poderemos agir sobre um país irmão que tem perdido o seu rumo e do qual o seu Povo maravilhoso merece também mais da nossa parte.
Só assim podemos esperar uma Organização das Nações Unidas que, de facto, faça o melhor entre os Estados e pela pessoa individualmente considerada.
É tudo uma cadeia intricada que começa no nosso eu e continua por aí em diante, não sabendo nós por onde pára, para o mal e para o bem, se não estivermos certos das ideias que inclusivamente estaremos dispostos a morrer por.
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