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Glamour Previsível

Atualizado: 15 de jul.

De Madalena Prata


2023 revelou-se um ano excecional para a indústria do cinema, conseguindo apelar às massas com o fenómeno Oppenheimer vs. Barbie, com filmes de argumentos originais e desprovidos de super-heróis.

Todavia, não foi apenas este movimento cultural que marcou o cinema este ano. Cineastas há muito estabelecidos, como Martin Scorsese, Wim Wenders e Hayao Miyazaki demonstraram a sua consistência e mestria.


Da mesma forma, assistimos ao regresso de vários nomes do cinema independente americano, alguns mais emancipados do que outros, no Priscilla de Sofia Coppola, Asteroid City de Wes Anderson, Beau is Afraid de Ari Aster e Killer de David Fincher, que têm uma audiência regular mas não vislumbraram nem uma nomeação.


Também houve surpresas, nomeadamente no cinema europeu, com Anatomy of Fall de Justine Triet, ou o magistral Zone of Interest de Jonathan Glazer. E não poderia deixar de mencionar o incrível debut de Céline Song com Past Lives e o absurdo estudo do crescimento da psyche feminina de Yorgos Lanthimos com Poor Things.


Muitas outras obras poderíamos incluir nesta incompleta enumeração. Podemos constatar que 2023 foi uma saturação de qualidade provando que a indústria do cinema está de volta, depois de muitas estreias adiadas pela pandemia.

Esperemos que se tenha cumprido a sua sentença de sequelas, spin-offs, e super-heróis porque há uma audiência recetiva a histórias novas que não exijam a revisão de 20 filmes para assistir a um.


Seria expectável que esta época de prémios no mundo do cinema fosse igualmente vibrante e agitada como os seus filmes. Porém, tal não se verificou, foi o ano dos prémios de consolação de Christopher Nolan com Oppenheimer. Algo que já se previa e que as nomeações da academia simplesmente vieram comprovar.


O que para uma indústria que prima em espantar e surpreender espectadores, o mesmo não se pode dizer dos resultados da aclamada noite. 


A Academia é constituída por cerca de 10 mil membros de diversos departamentos da indústria do cinema, que estão organizados em comités das respetivas especializações.


As votações, com exceção de determinadas categorias votadas por todos, como a de Melhor Filme e de Melhor Filme Internacional, são votadas apenas pelos membros autorizados dos respetivos comités. Cria-se assim uma diversidade de resultados por categoria.


O filme que recebe o prémio de Melhor Guarda-Roupa ou de Maquilhagem não é necessariamente o vencedor da Melhor Cinematografia. Há, no entanto, algumas categorias que normalmente estão correlacionadas: Melhor Realizador e Melhor Filme. Por vezes, Melhor Argumento e Melhor Montagem vêm incluídos no pacote.


Nos últimos 10 anos, a academia tem alargado o seu círculo a nível internacional e a outros prestigiados colaboradores da indústria que até então não tinham sido abraçados pela elite americana do cinema.


Por outro lado, tem criado, também, um efeito de nicho em que a maioria da audiência se sente alienada pelas nomeações e pelos vencedores.

Pessoalmente, se filmes que outrora não teriam o merecido palco agora o têm, mesmo que isso crie uma dissonância entre o grande público, cabe às equipas de marketing das produtoras investirem no seu talento e promoverem a relação entre o espectador e o filme. 


E é durante este processo que assistimos à verdadeira cerimónia dos Óscares. Mais uma vez, frisando quem são os membros da academia: trabalhadores da indústria que, dependendo do ano, têm mais ou menos disponibilidade para assistir aos filmes estreados.


Consequentemente, a noite dos Óscares sucede a uma longa e exaustiva campanha “política” por parte das produtoras, tornando a escolha dos eleitores da academia evidente.


Desde a oferta de inúmeras entrevistas de um taciturno Cillian Murphy a explicar pela milésima vez que a Irlanda não faz parte do reino, a um carismático Robert Downey Jr. a carregar o Nolan às costas com os seus elogios rumo à vitória. E não nos poderíamos esquecer das festas e visualizações gratuitas, entre outras ofertas irresistíveis, para quem faz parte do mundo do showbiz.


Claramente, as campanhas com mais investimento monetário promovem a visualização de certos filmes, em detrimento de outros, numa comunidade em constante movimento inquieto entre diversos projetos. 


Aliado ao efeito cínico das campanhas prévias à cerimónia dos Óscares, houve uma avalanche de outros prémios percursores que ditaram o rumo desta noite, em que muitas vezes o corpo eleitoral é semelhante ao que vota na academia.


Deste modo, após os BAFTA, Critics Choice, os prémios das associações de produtores, realizadores e atores, bem como os das outras especialidades mais técnicas, é entediante a previsibilidade da cerimónia que retrata o apogeu celebratório anual da indústria cinematográfica.


Assim, as únicas categorias que criaram alguma imprevisibilidade foram as de Melhor Atriz Principal entre Lily Gladstone e Emma Stone, Melhores Direção de Arte e Sonoplastia.

A competição não precisaria de ser acérrima ao ponto de termos um Christopher Nolan a desmembrar uma Barbie ou uma Margot Robbie a esbofetear um Robert De Niro.


Pelo menos um pouco mais de surpresa! Talvez fosse benéfico adicionar mais categorias, como Melhor Duplo, Melhor Directorial Debut, Melhor Performance Vocal - o que ofereceria mais peso aos filmes de animação. Felizmente, em 2026, teremos uma nova categoria para Melhor Casting.


Em concomitância, a antecipação da cerimónia favoreceria a surpresa dos resultados. No entanto, não há solução para o impacto das campanhas das produtoras no eleitorado da academia. 


Serão sempre os filmes que conseguem mais investimento e que fazem mais campanha em Hollywood os mais premiados?


Assim chegámos ao grande vencedor da noite, Oppenheimer. Permitam-me o exercício de desconstrução da sua campanha.


Em 2020, a Warner Brothers e Christopher Nolan estrearam o Tenet em pleno verão pandémico. Devido aos fracos resultados de bilheteira, obrigaram a produtora a encurtar a gestação do filme nas salas de cinema, disponibilizando-o rapidamente na sua plataforma de streaming.


Christopher Nolan, um grande defensor do mundo analógico e dos pombos-correio, anunciou que o seu próximo projeto seria em colaboração com a Universal, quebrando os seus duradouros laços com a Warner Brothers.


Avançamos para o anúncio da data de estreia, não sou de conspirações, mas a estreia de Barbie ser alocada para a época favorita de estreias dos filmes Nolan, será mesquinhice da produtora?

Não, Barbie é um filme de verão… Naturalmente, Barbie, para além de todo o elenco de luxo associado, tem no seu bolso o cachê da Mattel para auxiliar na promoção do filme.


Num rasgo de génio, a equipa de marketing de Oppenheimer amarrou-se à campanha da Warner Brothers, criando um fenómeno cultural que organicamente tomou o mundo.


Barbie passou na Experiência Trinity das bilheteiras, mas Oppenheimer bombardeou a indústria, demonstrando que, um filme biográfico de 3 horas sobre um cientista americano e o desenvolvimento de armamento atómico que mudou o curso da História mundial, tem a habilidade de vencer em dois campos de batalha.


Com 7 prémios de consolação, Christopher Nolan, com mais uma obra cinematográfica com um twist desnecessário e a usual morte do interesse amoroso do protagonista, vinga-se da traição tecnológica perpetrada pela Warner Brothers em 2020.


A conclusão é simples: apesar das mudanças efetuadas na academia, sem investimento nas campanhas publicitárias dos filmes, a tarefa de reconhecimento torna-se incrivelmente árdua. 

Para terminar a época de prémios cinematográficos, salvo este espaço para a menção honrosa a dois filmes, Killers of the Flower Moon e Zone of Interest, que serão sempre os vencedores de 2023 no meu coração.


A obra-prima de Martin Scorsese navega meticulosamente e agilmente o conturbado e trágico alicerce da História dos EUA.


Simultaneamente, entretendo-nos com as suas subtis representações jocosas de homens incompetentes que destruíram, com o seu oportunismo parasítico e ganancioso, as comunidades nativo-americanas e exploraram exaustivamente os recursos naturais.


E, se o público tem disponibilidade para passar 3 horas com Oppenheimer, não é por mais 26 minutos na companhia de Lily Gladstone, DiCaprio, De Niro, da cinematografia pictórica de Prieto, do ritmo consciente de Schoonmaker e da banda sonora do falecido Robertson, que fica entediado. 


Por último, a grande obra de anti-entretenimento de Jonathan Glazer, Zone of Interest, que retrata o dia a dia doméstico da família do comandante do campo de concentração de Auschwitz.


Um filme tipicamente europeu, em que nada acontece mas tudo acontece. Sendo impossível repelir o estado de dormência e raiva em que a banalidade do mal representada nos deixa.

Uma obra de fine art, que contou com mais de 5 anos de investigação e dedicação da equipa envolvida. E talvez, o filme mais relevante do ano, dado o contexto de conflitos e horrores a que assistimos no mundo recentemente.


E assim termina a nonagésima sexta cerimónia dos Óscares. Para o ano há mais!

 

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