A ideologia revolucionária do Irão, o seu Estado-Polícia, o seu ódio aos valores do Ocidente e às suas liberdades, o seu sentimento imperialista, os seus death to America e a sua vontade de exterminar Israel fazem crer que o Irão é um país que não deseja pertencer à comunidade das nações. Um país que é um dos maiores fundadores do terrorismo não merece ser associado a tal.
Costuma ser meu hábito acordar e ligar-me de imediato ao mundo através das redes sociais: torna-se instintivo. Desta vez, notícia após notícia notei a “trend” do momento: ataque dos E.U.A. a um dos homens mais poderosos do Médio Oriente: o General iraniano Qassam Soleimani. Não fosse Soleimani um dos homens mais influentes da região, esta acção teria sido mais um dia normal no palco armado do Médio Oriente.
Em 2008, Henry Kissinger afirmava: “O Irão deve decidir se é um país ou uma causa.". A recente escalada de tensão entre o Irão e os Estados Unidos tem origem na Revolução Islâmica de 1979 e, desde aí, a “panela de pressão” entre os dois países tem assistido a silêncios ensurdecedores, a abraços traiçoeiros ou somente a ataques sucessivos. Por um período breve na História dos dois países, durante a Administração Obama, os E.U.A. conceberam uma combinação de pressão e diplomacia para criar um espaço de negociação, a qual resultou no Acordo Nuclear. Contudo, sob a Administração Trump, os E.U.A. recuperaram a velha inimizade histórica com o Irão, rasgando o Acordo e respondendo aos seus ataques, numa tentativa de reforçar a sua hegemonia face ao inimigo.
Em 1979, a embaixada americana de Teerão é atacada por iranianos, resultando na detenção de 52 cidadãos, nos quais diplomatas, que foram mantidos em cativeiro por 444 dias.
Em 2019, protestos e desacatos junto à embaixada americana em Bagdad motivam a sua invasão e a sua consequente destruição. Dias depois, é sabido pelo Departamento de Defesa dos E.U.A. que o General Soleimani estaria a coordenar uma operação para atacar o corpo diplomático e outros membros destacados no Iraque. Ambas as situações se assemelham ao ataque a Benghazi, em 2012. Neste episódio do primeiro mandato de Obama, houve uma investida à embaixada americana, que resultou na morte de um diplomata e 3 militares. Neste exemplo, não houve resposta por parte de Obama. No caso que abriu 2020, houve implacável e brusca resposta antecipada de Trump a uma operação que, não tendo sido travada antes, daria origem a um ataque que teria como alvo o corpo diplomático e as forças americanas. Responder ou não responder, eis a questão.
Para isto, é pertinente regressar a 1979 e analisar o porquê desta hostil rivalidade entre os E.U.A. e o Irão. A Revolução Islâmica de ´79, ditou uma mudança nas relações bilaterais, começando com o rapto e cativeiro de 52 funcionários americanos. De seguida, na década de 80, para além dos diversos conflitos no Médio Oriente que se opunham aos interesses americanos na região, os xiitas libaneses atacam o corpo diplomático americano, apoiados pelo Irão. No mandato de Reagan, são fornecidas armas ao Irão por via israelita, para que assim auxiliasse na guerra contra Saddam Hussein. No seguimento desta estratégia, há novo ataque, desta feita à embaixada americana em Beirute e a forças americanas, que resultou na morte de 258 americanos. Reagan não retaliou, Reagan quis sempre abertura, só que o Irão não foi confiável. A opção política do presidente americano comprometeu o seu mandato na sequência do escândalo “Irão-Contras”, que consistiu na venda de armas ao Irão, novamente através de Israel, na esperança de reaver os cidadãos americanos que se encontravam detidos pelos iranianos no Líbano.
Com George W. Bush, houve uma tentativa de cooperação com o Irão na Guerra do Afeganistão, quebrada no momento em que foram detectadas ligações com a cédula terrorista Al-Qaeda. Inesperadamente, aquando do ataque de raid a Bin Laden, em 2011, certos documentos foram recolhidos e mais tarde desclassificados pela CIA, tornando-os assim públicos. As inúmeras informações recolhidas indicavam que, em 1990, o Irão ofereceu dinheiro, armas e treino em campos do Hezzbolah à Al-Qaeda em troca de ofensivas que teriam como alvo os interesses americanos na Arábia Saudita e no Golfo. Curiosamente, um dos treinos aplicados consistia na destruição de grandes edifícios. Para além disso, os documentos revelaram que o Irão foi indirectamente um facilitador do 11 de Setembro, uma vez que permitiu a circulação livre de militares da Al-Qaeda no país. O Irão e a Al-Qaeda não tentavam nem ser aliados, nem ser inimigos. Esta alegada ligação activa voltou a ser apontada no actual mandato de Trump.
Como podemos comprovar, o esforço das sucessivas Administrações americanas tem sido notório. Contudo, a postura ideológica fechada do Irão tem sido igualmente notória e prejudicial. Basta compararmos a relação dos E.U.A. com o Vietname: mesmo após uma terrível guerra que feriu o orgulho americano, as relações diplomáticas foram estabelecidas passados 20 anos do seu fim. Com o Irão parece perpétuo. Por sua vez, a Administração Obama tentou aproximar-se, junto com os europeus, do Irão para assim aplicar sanções a este e negociar o Acordo Nuclear, que acabou por se concretizar. Por um lado, podemos dizer que houve sem dúvida uma reconciliação e definição de condições de salvaguarda militares. Por outro lado, a hard-line republicana aponta que este acordo não foi mais do que um cheque em branco ao Irão, o qual não impediu o país de prosseguir o caminho da força nuclear, através do acesso aos biliões de dólares que recebeu das suas contas congeladas do tempo do aprisionamento dos 52 americanos, financiando com eles grupos terroristas. Facto interessante é o orçamento do Irão no sector da Defesa, que subiu uns abruptos 40% após a entrada no Acordo Nuclear.
Por fim, chegamos a Trump, um presidente que se tem destacado pela sua postura fria, vingativa e implacável. Talvez até a própria figura de Trump represente o popular perfil do patriota americano que se baseia em filosofias como: “Se te metes connosco, levas” ou “Se pensas que continuas a escapar impune como antes escapavas, estás bem enganado”. Foi com esta atitude que afastou Soleimani do cenário geopolítico, eliminando assim o líder da Força Corps-Quds do Irão, conivente do Hezzbolah libanês e do Hamas palestino, os dois designados pelos EUA como organizações terroristas. Na equação pesa o facto de Soleimani ter conduzido o terror no Médio Oriente e no Mundo, sendo responsável por milhares de mortes, feridos e raptos. As suas mãos ensanguentadas foram obreiras de inúmeras operações terroristas contra cidadãos, aliados e interesses americanos. Foi um dos responsáveis por bombear na veia ideológica do Irão o anti-americanismo, tornando-se este parte integrante da essência do regime teocrata iraniano. Tal como aponta o Secretário de Estado Americano Mike Pompeo, os E.U.A. não pretendem mudar o regime, pretendem apenas a mudança de um comportamento que se traduz em acções perversas que destabilizam o Médio Oriente e o resto do mundo. São exemplos disso, a política de insurreição e o terrorismo, sobretudo pelo apoio a proxys militares e a organizações terroristas.
O Irão, durante o mandato de Trump, atacou até hoje 5 cargueiros americanos, diversas bases militares, um drone, refinarias na Arábia Saudita com o objectivo de minar os interesses americanos. Será que a morte de Soleimani valeu o risco? Será esta uma forma de, uma vez por todas, atendendo à História, os E.U.A. agarrarem o Irão pelos cornos e levar a melhor sobre ele? Teria sido uma boa estratégia os E.U.A. aguardarem para aproveitar o melhor momento e deter um dos terroristas mais procurados, continuando este a gerar dano e a comprometer a estabilidade do Médio Oriente, ou cortar o mal pela raíz eliminando-o e não ser capaz de prever as consequências disso?
De um facto tenho a certeza: deve prevenir-se a expansão do Irão pelo corredor do Médio Oriente, evitando que alargue assim a sua rede de aliados. A sua ideologia revolucionária, o seu Estado-Polícia, o seu ódio aos valores do Ocidente e às suas liberdades, o seu sentimento imperialista, os seus death to America e a sua vontade de exterminar Israel fazem crer que o Irão é um país que não deseja pertencer à comunidade das nações. Um país que é um dos maiores fundadores do terrorismo não merece ser associado a tal. Merece ser travado.
Termino com as palavras de Kissinger, que faço minhas também: “O Irão deve decidir se é um país ou uma causa.”.
Júlio Sampaio e Ventura,
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