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Jovens? Só se não forem adultos

A vantagem de ser jovem passa por ter um livre passe para ser idealista, e até iludido. Para ter um desprendimento de tal forma intenso que podemos trazer ideias que os crescidos não podem, porque têm todos trabalhos e posições muito sérias e profissionais. Temos de trazer as "ideias irresponsáveis" para cima da mesa.

Crónica de João Moreira da Silva


Ao longo dos últimos dias, temos assistido a uma discussão que nos diz respeito: o espaço dos jovens na política. Em causa, está o facto de cinco jovens - Sofia Santos, Jo Matos, Leonor Rosas, Maria Castello Branco e João Maria Jonet - terem feito uma iniciativa, em parceria com a Comunidade Cultura e Arte, para entrevistar deputados e “abrir as portas da política aos jovens.” Perante a escolha destes cinco nomes, o caos instalou-se rapidamente (no Twitter, claro). A crítica feita por quase todos os que se pronunciaram na rede social pode resumir-se em quatro palavras: são sempre os mesmos.


Não pretendo contrariar o argumento da falta de representatividade - pelo contrário, concordo em absoluto com a crítica de que estes cinco jovens são um grupo homogéneo. Se é verdade que não faltam mulheres no painel e que a comunidade LGBT está bem representada, também é verdade que os jovens em questão fazem estão todos ligados a um respetivo partido político com representação parlamentar (com a exceção de Jo Matos, Vice-Presidente da rede ex aequo). Na verdade, essa terá sido a provável razão da sua escolha.


Apesar de não retirar qualquer mérito - reconheço, aos poucos que conheço deste grupo, muita qualidade política (não fosse eu partilhar a direção deste mesmo Jornal com o meu amigo João Jonet) -, esta homogeneidade é inegável. Num país com cada vez mais jovens especializados nos mais variados cursos do Ensino Superior, e com tantos outros a trabalhar em cadeias de fast food ou em call centers, a escolha de quatro jovens ligados a partidos políticos é compreensivelmente enjoativa para o público jovem. Se um dos fatores justificativos da grande taxa de abstenção entre a nossa geração é o descontentamento com os partidos políticos convencionais, assim como a concentração de poder numa determinada elite urbana que aliena o resto do país, bater repetidamente nesta tecla para captar mais jovens pode não ser a melhor ideia.


Com isto, não pretendo martirizar a Comunidade Cultura e Arte por dar palco a esta iniciativa - seria hipócrita apontar o dedo e fazer esta crítica enquanto, paralelamente, sofremos do mesmo vício neste nosso Jornal Crónico, no qual temos uma forte representação de jovens lisboetas e portuenses ligados à política partidária (sendo este um vício, tentamos evidentemente contorná-lo com cronistas de fora do meio político português). No entanto, quero deixar algumas considerações sobre os temas trazidos pelos jovens na entrevista a Mariana Mortágua.


Nos quarenta minutos de entrevista, são feitas perguntas sobre as comissões de inquérito na Assembleia da República; o conflito israelo-palestiniano; o carreirismo na política; o papel da União Europeia no combate às alterações climáticas; os direitos LGBTQ+; o feminismo; por fim, a história colonial portuguesa. Enunciei todos estes sete temas porque, ao lê-los de seguida, compreendemos que poderíamos estar a ler qualquer jornal generalista. São os temas da política do dia a dia, sobre o qual todo o comentariat escreve longas linhas de opinião. Se é verdade que a maioria deles toca diretamente no público jovem - em particular, as alterações climáticas e os direitos LGBTQ+ -, e que todos são logicamente importantes na política, também é verdade que parece que estamos a ouvir a mesma cassete reproduzida por pessoas com caras mais jovens do que as que se sentam nos bancos do Parlamento.


Não censuro este grupo de jovens por trazerem este tema. Com certeza que todos eles têm consciência de que estes são temas genéricos e abrangentes, adequados ao meio onde se encontram. Na verdade, a sua subsistência política depende de darem a sua opinião sobre os mesmos - só assim são levados a sério pelos senhores que se sentam no conselho de administração do Partido. Se falarem de ideias radicais e diferentes, são postos de parte, ou catalogados como idealistas (na aceção positiva) ou iludidos (na negativa). Mas, mesmo compreendendo a sua posição, não posso concordar com esta.


A vantagem de ser jovem passa por ter um livre passe para ser idealista, e até iludido. Para ter um desprendimento de tal forma intenso que podemos trazer ideias que os crescidos não podem, porque têm todos trabalhos e posições muito sérias e profissionais. Perante este ónus de “irresponsabilidade” que nos é imposto pela nossa data de nascimento, devemos aproveitá-lo para ser quem mais se opõe a qualquer tipo de injustiça - não para alinhar num discurso que não acrescenta nada aos temas dos "mais velhos." Temos de trazer as "ideias irresponsáveis" para cima da mesa.


Resta a pergunta para um milhão de euros: “que ideias irresponsáveis são estas?” Bom, terão de ser ideias que, à partida, estarão longe de ser discutidas no plenário da Assembleia da República - mas que poderão vir a ser, com a pressão certa (afinal de contas somos mais de um milhão de portugueses entre os 20 e 30 anos). Antes, a propina zero seria um exemplo de um tema irresponsável - agora, o Ministro do Ensino Superior já admite que este é o objetivo do Governo. Antes, a legalização da canábis também o era - agora, está em discussão no Parlamento. Em tempos, até o serviço nacional de saúde era uma ideia irresponsável - veja-se onde estamos agora.


Agora, cabe-nos pensar nestas ideias irresponsáveis. Cidades sem carros, rendimento mínimo universal, reformas profundas do sistema prisional e policial, a própria transformação do Estado Social. Na verdade, porque não exigir um novo modelo de Estado? Um Estado no qual não existem trabalhadores independentes precários porque todos têm o apoio necessário, onde não há lugar a especulação imobiliária nas cidades, onde todos têm uma casa para viver. Onde ser estudante universitário não é um privilégio. Onde a competição serve para servir o bem comum e não para demandas egoístas. Como funcionaria este novo Estado? As possibilidades são infinitas e merecem ser exploradas em diferentes crónicas.


Para mim, estes são os temas verdadeiramente jovens. Sigamos o conselho de outros jovens (bem-sucedidos) de outros tempos: sejamos realistas, exijamos o impossível. Chega da mesma cassete, essa fica para os crescidos.

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