De Francisco Madail Herdeiro
Quem aprecia fruta, nos seus mais variados tipos e feitios, gosta dela madura e sem bicho. Para que não tenha bicho é preciso cuidar dela quando ainda está verde e na árvore, e para que tenhamos fruta madura e saborosa todo o ano torna-se necessário usar um conjunto de instrumentos e técnicas, todos em simbiose, em diálogo. Porque se se usar mais pesticida, mas menos água, ou adubo em excesso, ou qualquer outra forma de manutenção de uma cultura, a fruta, no final, estará para lá de intragável.
Eu sei que estamos habituados a ouvir metáforas sobre fruta mais na esfera do futebol do que noutros tópicos, mas vou fazer esta transposição para a esfera do hemiciclo.
A nossa cultura democrática tem vindo a evoluir ao longo dos últimos 50 anos, e a primeira característica que se perdeu nesta evolução talvez tenha sido a linguagem parlamentar, seguida da qualidade (no seu sentido mais lato) dos mesmos parlamentares.
Isto tem um impacto claro na saúde da nossa democracia e na forma como os destinos do país e do povo são guiados.
Passámos de um discurso polido e respeitador, mas não menos incisivo e contundente, para um discurso simplista, poucochinho, pequeno na sua ambição e na sua forma, e por vezes no conteúdo. Mas tudo isto apenas contribuiu para retirar do debate político o melhor pesticida de todos, o diálogo entre partidos.
Tribalizámos a política, transformando-a numa guerra de trincheiras, que à semelhança de qualquer outra, tudo destrói e pouco conquista.
Já não interessa se uma ideia do centro-direita até pode fazer sentido se colmatada com um contributo oriundo da esquerda, ou qualquer outra combinação de ideias e soluções que tenham origem nas diversas forças políticas.
Atualmente, tudo o que a esquerda disser, para a direita é apenas marxismo, socialismo, gonçalvismo, Vuvuzela, Cuba, Coreia do Norte, e de volta, tudo o que a direita disser nada mais é se não ideias fascistas, proclamadas por burgueses especuladores reacionários opressores da classe operária, ao serviço dos interesses do grande capital.
Dito isto, assim ninguém se entende, e o país não anda para a frente, sujeitando-se a este marasmo, onde nada muda, nada acontece, e tudo fica cada vez pior, mas onde a discussão está mais viva do que nunca.
Nunca se discutiu tanto sobre tanta coisa. Mas e depois? Qual é o sumo desta fruta depois de espremida? É doce? É Amarga? Fará bem à saúde ou é um sumo tão processado que sabe a remédios e ninguém gosta?
Quem tem ou já teve uma árvore de fruto sabe que existem pragas difíceis de eliminar, sem que se recorra a soluções que poriam em causa a saúde da própria árvore e de quem dela deve cuidar. E mesmo matando o bicho, ele acaba por voltar.
Com a nossa política e a nossa democracia a situação é semelhante. Como não cuidámos da árvore no tempo devido, com as soluções certas, as pessoas começaram a desesperar, deixando de acreditar nas soluções que o sistema teria para oferecer.
Porque tal como escrevi anteriormente, passamos mais tempo a criar soundbites, no diz-que-disse, nas guerras de trincheira e tribalismo, para grande gáudio dos painéis de comentadores, do que em chegar a acordo entre as partes sobre qual o caminho a seguir, criando as soluções que as pessoas pedem.
Então, tal como a formiga, que com raiva da cigarra, votou no inseticida, causando a sua própria morte, também aqui já existe quem vote na solução que destrói o sistema e onde no final ficamos todos pior.
Tudo porque é muito mais interessante perder o tempo a discutir, mas pouco tempo a fazer, porque preferimos alargar o buraco da trincheira em vez de construir uma ponte, e assim, lentamente, a minhoca comeu a maçã por dentro.
No dia 10 de março, quando trincarmos a fruta que colhemos, vamos perceber que a fruta está podre e que a culpa é dos jardineiros que deveriam ter cuidado da árvore.
Termino com uma frase de Aristóteles, “o objetivo principal da política é criar a amizade entre membros da cidade”.
Não estou com isto a sugerir darmos as mãos e cantar o kumbaya, mas talvez fosse mais produtivo e saudável começar a dialogar, a fazer cedências e compromissos, a chegar a acordo.
No fundo a cuidar da árvore para que a formiga, com raiva da cigarra, nunca tenha de votar no inseticida, para que no final não tenham de tenham todos de morrer, até o grilo que se absteve.
Na segunda parte deste artigo, falarei do desafio que a nossa democracia enfrenta, o desafio de amadurecer politicamente, porque o tempo das maiorias absolutas está a chegar ao fim, e a atual fragmentação partidária exige que os partidos falem entre si.
Até lá, já comeram fruta hoje?
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