De Francisco Madail Herdeiro
Como o prometido é devido, dia 10 de março trincámos a metafórica maçã, e qual foi o resultado? Não tinha não uma, não doze, mas cinquenta minhocas a comer a maçã por dentro.
De facto, esta maçã estava mesmo podre por dentro, e todos os jardineiros encarregues do pomar meteram as mãos à cabeça sem perceberem muito bem como é que isto aconteceu.
No entanto, um jardineiro, de seu nome Rui, percebeu que, para impedir as minhocas de comer todas as maçãs do pomar, era preciso cuidar do pomar por inteiro, conversando com todos os jardineiros, para que juntos, pudessem preparar a próxima colheita, com as soluções certas.
Eis se não quando este jardineiro é acusado pelos outros jardineiros, que trabalham no lado esquerdo do pomar, de estar a querer colaborar com as minhocas! Gerou-se logo uma grande algazarra, mas por fim lá se entenderam.
Concluíram que a melhor solução para o pomar seria juntar todos os jardineiros que trabalham do lado esquerdo do pomar para fazer a vida negra aos jardineiros do lado direito.
Porém, o jardineiro Pedro, que tem a seu cargo a segunda maior área do pomar, e cujo pomar divide paredes meias com o pomar do jardineiro Luís, o responsável pela maior área do pomar, ao início achou piada à ideia de lhe fazer a vida negra, mas lá entendeu que se nada fosse feito, as minhocas rapidamente comeriam todo o lado direito do pomar, e mais tarde ou mais cedo estariam do seu lado.
Para evitar isto, o jardineiro Pedro decidiu ajudar o jardineiro Luís, mas só até à próxima colheita, lá para outubro, até porque o jardineiro Pedro só discorda dos métodos do jardineiro Luís na teoria, porque na prática, fazem tudo igual.
Todos viram com maus olhos o acordo feito entre o Pedro e o Luís de dividir a meio a gestão da assembleia dos jardineiros, mas na minha opinião, demonstraram ser os adultos na sala. Tinham um problema, dialogaram, e chegaram a uma solução.
No meio de tudo isto temos o jardineiro Luís que anda à procura de quem queira falar com ele sobre soluções para o pomar, mas de cada vez que faz uma visita ao lado esquerdo do pomar é corridoora com insultos, ora com tinta verde nada amiga do ambiente.
Mas nunca é recebido como alguém que está ali, como todos os outros jardineiros, para trabalhar para resolver os problemas do pomar.
O pecado original: a divisão
Voltando ao pecado original que deu origem a esta longa metáfora sobre maçãs, minhocas e jardineiros.
A falta de pontes e o excesso de trincheiras.
A falta de vontade das várias partes de se sentarem, falarem, encontrarem pontos comuns, e juntos tentarem ultrapassar as diferenças.
O bipartidarismo, a falta de vontade política para falar de certos temas, a rapidez com que varremos um problema para debaixo do tapete, ou o empurramos com a barriga, em vez de criar soluções, a cultura de proteção da mediocridade, o desligamento das classes políticas e económicas dos problemas do português médio, o centralismo da capital, a arrogância intelectual das elites urbanas que desprezam ou desconhecem as realidades do meio rural, o progresso feito não pelas pessoas, mas contra as pessoas, o chicospertismo, a cunha, o amiguismo e o compadrio.
Estes e outros males, todas as descrições do atraso português que vem sendo enumeradas desde Gil Vicente, até ao Camilo e ao Eça. Já todos vimos este filme. Todos sabemos o que está mal nesta fotografia.
E por isso preferimos sair deste barco a afundar, voando para países onde estes males não se sentem com tanta força, ou pelo menos são abafados pela saudade de quem cá ficou.
E quem cá ficou, ficou a lidar com isto tudo, e a lidar também com o sentimento de impotência, com o sentimento de que são todos iguais, de que anda tudo a gamar, de que só querem tacho para a família e para os amigos, que não se consegue ter uma boa vida se não se tiver um conhecido no governo ou na autarquia. E esta podia ser a descrição do Portugal de 2024, de 1924, de 1824 ou de 1724.
Não podemos ficar surpreendidos que a formiga tenha votado no inseticida para acabar com a cigarra, mesmo que isso implique a morte da formiga, da cigarra e do grilo que se absteve.
E agora, o futuro. Ricardo Araújo Pereira dizia que isto é Portugal, está mau desde 1143. Mas como queremos que seja Portugal em 2043? Como sobreviveremos para lá chegar?
Um dos ingredientes da receita já foi deixado na primeira parte desta crónica. Diálogo e maturidade.
Vejamos o caso holandês.
O partido de extrema-direita (PVV) ganha as eleições, mas não irá governar, isto porque os partidos do arco democrático perceberam que têm mais que os une do que o que os separa. Têm em comum um espírito democrático, liberal, pluralista, multicultural. E têm consigo a força do diálogo e do entendimento.
Dificilmente veremos novas maiorias absolutas a governar este país. Mas veremos um parlamento cada vez mais fragmentado. O combate ao extremismo faz-se com entendimentos ao centro, atando o laço com as pontas interessadas em discutir problemas e encontrar soluções.
E que fique aqui dito e esclarecido. Basta das equivalências morais entre a ponta esquerda e a ponta direita do parlamento. A teoria da ferradura que nos querem vender só serve a quem quer legitimar a extrema-direita racista e protofascista.
Porque se o PS se coliga com o BE e PCP, então o PSD também se pode coligar com o Chega. Nada mais falso.
Enterrem esse assunto porque o BE e o PCP nunca propuseram confinamento étnico de minorias, nem contagens de segmentos da população, nem põem em causa o sistema eleitoral, e uma eventual fraude na contagem dos votos à boa moda bolsonarista e trumpista, nem atacam o 4º pilar da nossa democracia, a imprensa livre.
Podem ter uma conceção de política diferente da nossa, e um programa económico muito diferente daquilo que a maioria dos portugueses quer, mas não apresentam propostas contra uma parte da população simplesmente porque estes nasceram fora do território nacional, ou não partilham dos valores judaico-cristãos da maioria do país, mas nem por isso colocam a questão de que está em curso uma grande substituição da vaga ideia daquilo que é o português puro.
Dito isto, porque à minha direita só a parede, temos então um mundo inteiro com quem conversar.
Da Iniciativa Liberal até à outra ponta estão 180 deputados com vale certamente a pena trocar umas ideias sobre o futuro do país.
Porque o que vai matar estas minhocas serão as soluções que possamos criar para pôr fim aos problemas de quem em nelas vota.
Quando a vida das pessoas começar a mudar, quando tivermos melhores serviços públicos, uma verdadeira redistribuição dos frutos do nosso trabalho, paz, pão, habitação, saúde, educação, a cantiga tal e qual como a conhecemos, quando tudo isto for verdade, as minhocas vão desaparecer, com o raiar da luz do progresso.
Mas até lá, já comeram fruta hoje?
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