Não posso escrever sobre a mosca do Pence. Também não posso escrever sobre o que o Marcelo disse sobre o Natal, ou sobre o quão difícil tem sido convencer empregados de restaurante a deixarem-me ficar até às 23:15h. Isto, porque, embora a minha costela facilitista de gen z se sinta tentada a pegar em assuntos que entretêm por si, surpreendentemente, e só desta vez, a culpa cristã falou mais alto.
Crónica de Teresa Brito e Faro
Estudante de Direito na Faculdade de Direito da Universidade do Porto
O maior campo de refugiados da Europa tornou-se notícia quando ardeu, há pouco mais de um mês. Durante os primeiros dias, ouvimos falar de Moria e das 13 000 pessoas que ficaram sem teto, na ilha de Lesbos. Contudo, rapidamente fechámos o tema e voltámos a atenção para a questionável escolha de alcunhas trocadas entre Bruna Amaral e Rui Rangel, entre outros assuntos.
Apesar de catastrófico, o incêndio foi também visto como um ponto de viragem para os milhares que sobreviviam, dia após dia, nas condições desumanas deste campo: sem higiene, alimentação, medicamentos ou segurança. Desde aí, algumas pessoas conseguiram ser transferidas para a Grécia continental, enquanto as restantes dormem na rua, ou no novo campo de Kara Tepe, onde vivem agora 9000 migrantes em condições piores, ou igualmente más às de Moria: com uma refeição por dia, pela qual esperam, aglomerados, em filas de horas. E com algumas pessoas a recorrerem ao mar para tomarem banho. Por impossível que pareça, a situação piorou na última semana, com a chegada da chuva.
Perante isto, não cabe à Europa encolher os ombros e limitar-se a ter pena dos milhares de pessoas que arriscam a vida por um futuro sem guerra e sem fome. Particularmente, quando são os acordos celebrados entre a UE e a Turquia que flagrantemente permitem a violação de direitos humanos todos os dias em Moria e nas várias ilhas com situações semelhantes. Consequentemente, a crise dos refugiados nunca esteve pior e, ainda assim, com base no que lemos nos jornais, seria de adivinhar que a situação se tivesse milagrosamente resolvido em 2016. Infelizmente, suspeito que também os líderes europeus andem a definir prioridades com base nos temas que estão trending no Twitter. Caso, contudo, tenham ouvido um único testemunho de quem por lá passou (e ouviram), sabiam que Moria era uma bomba relógio.
Bomba relógio esta que teve de explodir para abrir os olhos a uma Europa adormecida, perante um desastre humanitário que devia ter sido assunto todos os dias, nos últimos anos. Pós explosão, assistimos a uma resposta lenta da União Europeia – Alemanha e França aceitam receber alguns refugiados, mas falta vontade de flexibilizar a política migratória responsável pelo problema - . Em discussão, está um novo Pacto sobre a Imigração e o Asilo, que se prevê estar concluído apenas em 2021. Sendo, para já, pouco consensual e criticado por não alterar nada a nível substancial, ser confuso quando às responsabilidades dos Estados no que toca a deportações e desumanizar os migrantes que passam a valer 10 000€ para os países que aceitem acolhê-los.
Com vidas em jogo, Estados-membros como a Polónia, a Hungria, a República Checa e a Eslováquia não facilitam o processo, mostrando mais interesse em manter os campos fora da União Europeia. Por outro lado, ONGs e outras agências de proteção de direitos humanos avisam que a proposta do novo pacto pode estar a enfraquecer a proteção dos mais vulneráveis.
Isto significa que o impasse em Bruxelas continua sem prazo para terminar, mas não lavemos as mãos e demos tudo por perdido. Se à UE tem faltado responsabilização e vergonha, aos cidadãos falta indignação e empatia. Num cenário que não anuncia uma mudança radical para breve, é imperativo que acordemos de um coma de cinco anos e encaremos a calamidade da crise migratória com seriedade e humanidade.
O que é que isto implica?
Reconhecermo-nos como parte de uma União que se comprometeu a honrar a democracia, a liberdade e o Estado de Direito. Se bem executado, este procedimento surpreenderá com um resultado milagroso: o fim da indiferença perante ataques à dignidade humana.
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