Crónica de Susana Garcia
A construção patriarcal da sociedade funciona em espelho simétrico:
De um lado, vêem o seu reflexo de papel social as mulheres e, do outro, os homens.
Ambos, quando se projetam obtêm a devolução das expetativas que a sociedade terá de si pelo género binário – que ao estilo sorting hat de Harry Potter – a sua conceção determinou.
A mulher, tradicionalmente, na maioria do Ocidente, recebe adjetivos como cândida, cuidadora, frágil, maternal, emotiva, porém frígida. Por sua vez, o homem deve corresponder aos ideais de bravura, proteção, virilidade, hiperssexualidade. A ponte entre o mundo encantado do lar e a aspereza da sociedade é estabelecida pelo homem. Já a mulher cuida do território da família, dominando as competências de assistência à família e da lida doméstica.
Betty Friedan atribui esta arquitetura familiar ao favorecimento do Capitalismo: a aquisição de bens materiais para compensar a ausência de experiências além do horizonte familiar fomenta o consumo de, nomeadamente, antidepressivos, bens da indústria da beleza e moda feminina. A especificação de demandas por parte das mulheres foi, posteriormente, designada de economia cor-de-rosa e representa uma forma de produção de lucro superior a bens exatamente iguais, mas de outra cor.
O título deste artigo, que não parece estar desenvolvido até então, tem uma justificação.
O Feminismo não existe para favorecer mulheres face aos homens, protegendo-as e vitimizando-as. Seria logicamente errado, um movimento que se opõe ao Patriarcado refletir modelos seus. Isto leva-nos a crer que a discriminação positiva é errada.
Não sendo congruente com o objetivo do feminismo – igualdade entre mulheres e entre estas e os homens, que serão iguais em direitos entre si, - ao parecer privilegiar o acesso de mulheres a oportunidades, é nada mais que uma estratégia de reposição do equilíbrio.
Em ciências naturais, um conceito recorrente é a (preservação da) homeostasia: um estado de equilíbrio (linha horizontal em gráfico) sobre o qual determinados valores oscilam, em intervalos favoráveis à vida, sem nunca coincidirem totalmente com essa linha, dado que tal representaria a morte do ser vivo.
A discriminação positiva, como o Feminismo a instrumentaliza, obedece ao mesmo princípio: existindo um intervalo aconselhado para o acesso das mulheres a profissões, cargos e liderança, que devido ao perpetuar dos valores patriarcais se encontra abaixo da linha de água, a criação de quotas para acesso a cargos por mulheres reverte essa situação, colocando-o o mais possível, atendendo que existe multiplicidade de critérios, dentro dos limites aceitáveis e rompendo com o glass ceiling. Não é privilégio, é assistência.
Estando explícita a relevância da discriminação positiva, a máxima Ladies But Also Gentlemen pode ser agora apresentada. Conforme referido, a estruturação patriarcal é bifurcada e perturba tanto mulheres como homens que, aplicando a utilidade de qualquer papel social, para sobreviver na sociedade devem enquadrar-se num leque de expetativas.
A taxa de suicídio é superior em homens, independentemente dos casos da tipologia Durkheimiana (egoísta, altruísta, por anomia social) que escolhermos e as perturbações de foro psíquico também são superiores no sexo masculino.
Os homens, para além de entregues à persona sedenta de sangue e violência com expressão limitada e mecanizada em que não se realizam plenamente, são, inclusive, ignorados pelo domínio legal em matérias de violência doméstica e sexual.
Em contexto de pós-Guerra, num dos que outrora tivera sido cenário de conflito, as violações sexuais são um fenómeno atroz, porém recorrente, que afeta tanto habitantes locais como pessoal militar.
Havendo uma dupla bitola (double standard) a violação sexual de mulheres encontra-se normalizada e a violação sexual de homens é um ângulo morto da violência no desmantelar de contexto armado.
Com a peça de teatro dos papéis de género patriarcais em cena, nenhum dos géneros binários é protegido por mecanismos legais adequados nem recebe os cuidados de saúde devidos. Perante a evidência, ninguém pode negar que o feminismo – que aniquila totalmente o caráter estático de perceções de género - é imprescindível para todos.
A falsa noção de que o feminismo é a menina raivosa num balancé a tentar fazer com que o menino desça e fique preso ao chão é totalmente desligada das pretensões feministas. É precisamente o medo de ser associada ao radicalismo que chega a afastar mulheres da defesa dos seus próprios direitos, enfraquecendo a credibilidade do movimento, algo que todos reconhecemos como prejudicial para o cumprir de um objetivo que não é somenos que direitos humanos universais.
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